Desenvolvimento urbano sustentável: instrumentos políticos na gestão ambiental

Desenvolvimento urbano sustentável: instrumentos políticos na gestão ambiental

Durante muito tempo, a busca constante dos países desenvolvidos por altos níveis de desenvolvimento econômico, com acesso irrestrito aos recursos naturais, resultou em efeitos  negativos ao ambiente, tais como a poluição da água e do ar, resíduos perigosos e, mais recentemente, a mudança climática global. Nesse contexto, a gestão ambiental sempre foi vista como uma restrição necessária ou uma regulação da atividade econômica para conter os danos ambientais dentro de limites aceitáveis. A política de gestão ambiental era independente da política econômica e do desenvolvimento sustentável e suas ações se concentravam em proteger o meio ambiente e  a qualidade de vida,  dos efeitos secundários da atividade econômica. Em geral, as intervenções ambientais não eram percebidas como atividades produtivas, mas como uma quebra da atividade econômica. Esta perceção ocorre pela falha em reconhecer as ligações entre a proteção ambiental, a eficiência, a sustentabilidade do desenvolvimento, a reestruturação de processos e, em parte, o tipo dominante de instrumentos de política utilizados para implementar a gestão ambiental. Na atualidade,  os conceitos de desenvolvimento sustentável e de coesão econômica mudaram o panorama da gestão ambiental em termos de objetivos e formas de governar. A perceção da política do ambiente mudou de uma responsabilidade econômica para uma potencial vantagem econômica.  E muitas atenções voltam-se para as implicações do desenvolvimento sustentável no contexto urbano, considerando as interrelações entre as dimensões econômica, social e ambiental. A busca pela sustentablidade urbana e por cidades melhores para se viver  tem sido uma preocupação constante de alguns governos que consideram socialmente benéfico internalizar os benefícios sociais de atividades que geram externalidades positivas. É o caso dos investimentos em qualidade ambiental, integração sócio-cultural, mobilidade urbana sustentável, entre outras atividades  que promovem a qualidade de vida  e o bem estar da população. É concenso que as áreas urbanas constituem  importantes locais para o desenvolvimento econômico e social de um país, e o tema “sustentabilidade” adquiriu importância significativa  com o evidente crescimento das áreas urbanas no mundo. O interesse por esse assunto é atribuído a publicação de 1987 do relatório da Comissão Brundland denominado Our Common Future, mas a temática sobre o ambiente urbano, revelou‐se mais presente quando também fez parte do programa dedicado ao Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Conferência do Rio/92 . Desse encontro nasceu a Agenda 21, com discussões de importantes medidas rumo ao desenvolvimento sustentável. Em um de seus capítulos, o documento sugere a transferência das suas medidas para o nível local – a Agenda 21 Local, através de um processo participativo em que as próprias populações, sabendo quais as suas realidades locais, obtenham consenso sobre os melhores modelos de desenvolvimento.

Desenvolvimento Urbano

O ambiente urbano é formado por dois sistemas intimamente interrelacionados: o “sistema natural” composto do meio físico e biológico (solo, vegetação, animais, água, etc) e o “sistema antrópico” consistindo do homem e de suas atividades, de forma que o ambiente urbano interage com o ambiente natural e os reflexos das atividades humanas podem ser vistos em ambos. O “modo de vida urbano” expressa-se sobretudo pelas relações sociais que se estabelecem nesse espaço, decorrentes de uma aproximação físico-territorial e de um sistema cultural. O processo de urbanização é uma realidade constatada mundialmente. Este processo tem sido intenso, modificando rapidamente a dinâmica das cidades, exigindo um planeamento sustentável e a compreensão das suas relações e impactos locais e globais. A globalização e a consequente  reestruturação econômica das últimas décadas têm afetado de várias formas o desenvolvimento urbano de países desenvolvidos e em desenvolvimento, embora a forma de impacto tem sido fortemente determinada por fatores políticos locais. Enquanto as regiões mais desenvolvidas apresentam um panorama estabilizado quanto ao crescimento de áreas urbanas, as regiões em desenvolvimento tendem a aumentar cada vez o número de pessoas nessas áreas . A percepção das peculiaridades de cada local ao qual o processo de desenvolvimento urbano deve adaptar-se apresenta grandes dasafios, visto que implica no envolvimento efetivo de diferentes agentes, sejam eles, governantes, grupos econômicos ou cidadãos. A sustentabilidade urbana apresenta três aspectos diferentes:
  1. A contribuição das atividades das áreas urbanas para um resultado insustentável;
  2. As possibilidades de uso das áreas urbanas para tornar o desenvolvimento econômico mais sustentável;
  3. As propostas de governo, em nível urbano, que influenciam ações para a sustentabilidade e demonstram compromissos com a agenda de desenvolvimento sustentável .
Todavia, a busca por um bem estar sustentável para futuras gerações  implica em três importantes dimensões:
  • a existência de um nível positivo de bem estar sustentável;
  • a magnitude das metas de bem estar futuros  frente aos níveis de bem estar atuais;
  • a capacidade de entendimento pelas gerações anteriores dos níveis futuros de bem estar.

 Gestão do ambiente e economia 

O debate de questões ambientais tem crescido muito nos últimos tempos. As  discussões saem da esfera política e acabam por envolver diferentes agentes, nomeadamente associações de defesa do ambiente, grupos econômicos e cidadãos em geral. O interesse na discussão ambiental manifesta-se desde a escala local até global, e relaciona política do ambiente, desenvolvimento econômico e vida social. No contexto econômico atual, diante de muitas restrições orçamentárias e de fragilidades institucionais, os  governantes precisam decidir quais problemas são prioritários e, muitas vezes torna-se difícil atingir os níveis necessários de proteção ambiental. Nesse sentido,  as análises econômicas vêm conquistando uma atenção cada vez maior, à medida que possibilitam avaliar os custos impostos à sociedade. A evolução das políticas ambientais desde o início dos anos 1970 tem se caracterizado por duas situações: em primeiro lugar o desenvolvimento de um número de “princípios” concebidos para dar base a estas políticas, tanto em nível empresarial quanto aqueles reconhecidos internacionalmente: o princípio do “poluidor-pagador” é o mais importante. Em segundo lugar, o desenvolvimento e a implantação dos chamados “instrumentos de política”, projetados para implementar e aplicar políticas ambientais. O princípio de internalização das externalidades através do pagamento do imposto pigouveano (poluidor-pagador)  embasa boa parte do senso comum quanto à forma como o Estado deve gerir a questão da degradação ambiental. Porém outros métodos de valoração monetária dos recursos naturais foram  criados ou adaptados pelos integrantes da escola ambiental neoclássica, como o Teorema de Coase que analisa o problema de valoração das externalidades como consequência da ausência de propriedade particular sobre os recursos naturais, ou ainda a aplicação da análise custo/benefício e de valoração contingencial para as externalidades ambientais, todos sob a ótica da internalização das externalidades ambientais. Por outro lado, a formulação de metas e objetivos ambientais é um processo de construção de consenso e isso requer a consulta aos agentes interessados, além da avaliação da viabilidade administrativa e financeira de forma a atingir os resultados desejados em termos de qualidade e controlo do ambiente.

O uso de instrumentos políticos para a regulação ambiental

Instrumentos de política ambiental são ferramentas utilizadas pelos governos para implementar as suas políticas ambientais. Muitos tipos de instrumentos políticos, com grau variável de sucesso, têm sido usados por vários governos em decisões relativas à questão ambiental. Esses instrumentos podem ser divididos em dois principais tipos: i) instrumentos reguladores, ou instrumentos do tipo comando e controle, onde o poder público estabelece os padrões e monitora a qualidade ambiental, regulando as atividades e aplicando sanções e penalidades, via legislação e normas; e ii) instrumentos econômicos ou instrumentos de mercado, tais como impostos e isenções fiscais, licenças negociáveis​​ e taxas. Algumas medidas voluntárias, como os acordos bilaterais negociados entre o governo e empresas privadas, e os compromissos assumidos por empresas independentes da pressão do governo, são outros instrumentos utilizados na política ambiental. Da mesma forma, medidas como a ampla divulgação ao público, a informação e a educação também vêm sendo cada vez mais usados. De acordo com a UNEP (Programa Ambiental das Nações Unidas), ao longo dos últimos anos cresceu o interesse no uso dos mecanismos de mercado para atingir os objetivos de proteção ambiental. Ao invés dos governos estipularem as tecnologias que devem ser utilizadas para reduzir os danos ambientais ou definir a intervenção máxima sobre os recursos naturais, processo esse conhecido como “comando e controle”, o uso de instrumentos econômicos pode fornecer um incentivo  financeiro aos agentes agressores do ambiente de modo a modificar seus comportamentos.

Instrumentos de Regulação e Controle

Instrumentos de regulação são utilizados na maioria dos países. Eles podem ser definidos como regras institucionais que visam a influenciar diretamente o desempenho ambiental dos poluidores, regulamentando os processos e produtos utilizados, proibindo ou limitando a descarga de certos poluentes, e/ou restringindo as atividades a certos períodos ou áreas. Os maiores problemas para sua adoção são a falta de reforço e o efeito rebote; por outro lado, a maioria das medidas políticas atinge altas economias a baixo custo, geralmente a custos negativos para a sociedade e por isso, geralmente são combinados com outros instrumentos.

Instrumentos econômicos ou de mercado

Instrumentos econômicos são baseados nos mecanismos de mercado, e geralmente contêm elementos de ação voluntária ou participação, que muitas vezes são iniciadas ou promovidas por regulamentações de incentivo. Os instrumentos econômicos podem ajudar em questões sobre a eficiência e a flexibilidade da regulamentação existente, além de responder a necessidade de receitas fiscais na busca de instrumentos para reconciliar a política econômica e ambiental e promover o desenvolvimento sustentável. Em muitos casos, a introdução gradual de uma selecção de instrumentos econômicos adaptados às condições locais, pode dar flexibilidade, apoio financeiro, e maior eficiência aos regimes regulamentares existentes. Os incentivos fiscais podem ser  ferramentas de políticas públicas que influenciam os preços a partir do uso de medidas fiscais, de modo a promover incentivos financeiros que podem alterar comportamentos. Tanto podem reduzir o consumo de um determinado bem ou serviço ao aplicar um imposto ou incentivá-lo por meio de suporte financeiro, se forem consideradas as barreiras relacionadas com o custo inicial.

Instrumentos de informação e persuasão

Essa categoria reagrupa uma série de medidas políticas muito diferentes, cuja eficiência depende, entre outros fatores, de uma combinação apropriada com outras políticas públicas. Apesar de serem consideradas medidas pouco rígidas, podem atingir economias significativas. Utilizam a oferta de informação e o uso de discursos significativos para persuadir pessoas e organizações no sentido de promover ações voluntárias a favor do ambiente. No que tange especificamente a governança para o desenvolvimento urbano sustentável, Rydin( 2010, p. 56) sintetiza na Tabela 1 as ações necessárias relacionadas às políticas ambientais de modo a superar possíveis resistências. Tabela 1: Ações necessárias para superar resistências
Instrumentos Políticos Construção da vontade de agir Construção da capacidade de agir Resistencia contrária de agentes individuais ou grupos Mudança de estruturas de incentivo
Informação e persuasão Mudar a percepção dos agentes sobre as razões para agir Mostrar que mudanças são possíveis Informações contrárias as fornecidas pelos agentes, minimizar a legitimidade de seus comportamentos Conhecimento é poder
Incentivos financeiros Promover o incentivo a ação Promover recursos financeiros para ações Reestruturar os recursos disponíveis a alguns agentes e quem sabe reduzir seu poder Reestruturar estruturas de incentivo
Ações colaborativas Criando  redes de contatos a fim de criar uma agenda para ação Rever recursos a partir das redes de contatos Controlar  agentes por meio de sansões leves e sobrepor conflitos Alterar as relações estabelecidas entre os agentes e a percepção dos incentivos
Regulação e controlo Elevar  expectativas sobre normas e potenciais benefícios Estabelecer estratégias para atingir os resultados Controlar o comportamento dos agentes através de ações regulatórias Alterar o balanço de custos e benefícios a partir das normas estabelecidas

A escolha da melhor opção

Promover a cidade do futuro é uma tarefa dura! Contemplar de uma forma equilibrada os  princípios de sustentabilidade exige ações de envolvimento coletivo. A participação de todos os agentes da sociedade, sejam eles governantes, corpo científico, grupos econômicos e cidadãos em geral é essencial para se conhecer as necessidades de uma comunidade e principalmente, dar legitimidade a todas as ações realizadas, o que torna o processo mais fácil de se consolidar. Na atualidade, muito se tem discutido sobre as formas de governar e os mecanismos necessários para colocar determinadas políticas em prática. A evolução das políticas ambientais nas últimas décadas valeu-se cada vez mais de instrumentos econômicos para tornar–se mais eficiente.  De alguma forma, percebe-se que a melhoria das condições de vida dos cidadãos em áreas urbanas depende de decisões políticas, cujos recursos podem ser originados não apenas de investimentos públicos, mas também da responsabilidade privada pelos danos que determinadas atividades provocam no ambiente. E não existe uma fórmula mágica para se atingir os objetivos de qualquer ação. É necessário entender as características de cada local e tomar medidas coerentes com as necessidades identificadas  e  com a capacidade de resposta da comunidade. Cada vez mais, percebe-se que uma única medida não é suficiente e a perspicácia de governantes no uso da melhor combinação de instrumentos políticos pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma política. Por outro lado, qualquer política não é estanque em si. Todos os processos precisam ser avaliados em diferentes fases, desde sua elaboração até consolidação, e sempre que se identificar necessidade de ajustes para corrigir algumas distorções, devem ser realizadas.  Os decisores políticos devem ser os maestros nesse processo.
As mudanças do clima geram grandes desafios para as cidades

As mudanças do clima geram grandes desafios para as cidades

O aumento da população urbana é um fenômeno mundial. No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento as taxas de urbanização cresceram significativamente nas últimas décadas. Enquanto no mundo 54% da população vive em cidades, em 2010 os dados do IBGE registravam que 84% da população brasileira já vivia em áreas urbanas. Essa realidade tem múltiplas causas e várias consequências desafiadoras para quem pensa, planeja e gere as cidades. Estar atento a isso é o primeiro passo para o desenvolvimento de cidades sustentáveis. As aglomerações humanas apresentam-se como fatores responsáveis por uma parte significativa dos problemas ambientais, tais como o desmatamento que provoca o desaparecimento de espécies da fauna e flora; o assoriamento dos rios, que contribui para extinção de espécies aquáticas; a concentração de lixo, que causa a contaminação do solo, ar e água, e expõe a população a doenças; o aumento de áreas impermeabilizadas que altera o escoamento da água, entre outros. Além disso, mais pessoas concentradas em um único lugar, geram maior demanda por bens e serviços, ampliando assim os desafios a serem enfrentados pelos gestores públicos. Todos nós temos uma idéia dos maiores problemas que a rápida urbanização provocou nas cidades e especialmente nas metrópolis brasileiras: grande parte da população vive em favelas; o setor informal claramente cresceu; os serviços básicos são inadequados e muitas vezes inascecíveis, tais como água, saneamento e energia; a mobilidade urbana é deficiente, a expansão urbana é desordenada; existem conflitos políticos e sociais sobre o uso de recursos naturais; e os níveis de vulnerabilidade a desastres naturais são altos. Porém, esses desafios são coletivamente agravados pelas mudanças climáticas. A crescente intensidade e freqüência dos efeitos das mudanças climáticas previstos para as próximas décadas representam uma ameaça para o equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. Nesse sentido planejadores e gestores urbanos precisam ter em mente 4 questões fundamentais:
  • Primeiro: qualquer planejamento urbano de longo prazo que visa um desenvolvimento mais sustentável deve levar em consideração os impactos das mudanças climáticas pois, sem isso, os ganhos de desenvolvimento de hoje podem ser perdidos amanhã.
  • Segundo: as formas como nossas cidades são planejadas e operam – bem como os estilos de vida das pessoas que vivem nelas – são os principais contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa que causam a mudança climática. As ações humanas e as próprias características da cidade, como morfologia, densidade e uso dos materiais, podem influenciar na composição da atmosfera e no comportamento das variáveis meteorológicas como radiação, temperatura, circulação do ar e precipitação.
  • Terceiro: o crescimento urbano será cada vez mais impulsionado pela migração rural-urbana induzida por mudanças climáticas.
  • Quarto: a rápida urbanização revela o aumento de populações em favelas, aumentando o número de assentamentos irregulares e informais, a demanda por habitação e serviços básicos, ampliando assim a pressão sobre a terra e os ecossistemas. As diferenças sociais e a pobreza levam as populações menos favorecidas a ocupar áreas ambientalmente frágeis que não deveriam ser ocupadas tais como encostas de morros, regiões costeiras, deltas dos rios e áreas muito baixas. Essas áreas são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas e podem desencadear verdadeiros desastres naturais.
Aumento de temperatura, alteração na precipitação, interferência no regime de ventos e subida do nível do mar são os principais efeitos das mudanças climáticas. A crescente intensidade desses efeitos e a alteração da frequência prevista para as próximas décadas representam uma ameaça ao equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. Esses efeitos podem causar impactos nas estruturas urbanas que compreendem o ambiente construído, natural e as pessoas, de modo a causar danos que podem vir a comprometer a dinâmica das cidades. A ocorrência de desastres climáticos depende especificamente da vulnerabilidade de determinadas comunidades, ou seja, das relações entre a exposição ao risco e a sua capacidade de adaptação. O comportamento humano é determinante para definir o grau do risco e a capacidade de resiliência do sistema.Assim, os impactos das mudanças climáticas sobre a infra-estrutura física urbana, economias, saúde pública e segurança são discutidos em função da vulnerabilidade de grupos ​​específicos. Alguns conceitos são fundamentais para compreender os processos naturais como riscos e identificar o que torna uma sociedade vulnerável às mudanças climáticas:
  • Os riscos são previsíveis a partir de uma avaliação científica, ou seja, podem reduzir-se os efeitos de um evento perigoso com previsão e alerta. A partir de qualquer outro evento precursor é possível identificar a localização de um risco e determinar a probabilidade de que aconteça um evento de uma determinada magnitude.
  • A análise de risco é um componente importante na compreensão dos efeitos de processos perigosos. Sem conhecer o perigo, não é possível agir de forma a minimizá-lo ou até mesmo evitá-lo.
  • Existem vínculos entre diferentes riscos naturais, assim como entre os riscos e o meio físico. O impacto de um perigo é em parte função de sua magnitude, e do intervalo de eventos, ou seja, sua frequência, mas também está relacionado a outros fatores, como clima, geologia, vegetação, população e especificamente o uso do solo, fator de origem essencialmente antropogênica.
  • Eventos perigosos que antes produziam desastres, agora produzem catástrofes. Isso se dá principalmente pelo crescimento da população e sua concentração em determinadas áreas (áreas urbanas), fazendo com que os danos econômicos, sociais e ambientais adquiram dimensões muito maiores.
A partir do conhecimento da dinâmica de um determinado tipo de evento climático é possível adotar uma resposta preventiva de forma a evitar os riscos ou adaptar-se a eles. Para tanto algumas ações são necessárias, tais como: planejamento do uso do solo, investimento em seguro, formulação de estratégias de adaptação, a preparação das pessoas frente ao risco de desastre através do treinamento, e controle artificial de processos naturais. Nesse processo, a busca pela informação precisa e confiável, a forma como ela é disseminada através de ferramentas de comunicação, além do envolvimento da população a partir de mecanismos de participação podem fazer a diferença.
Planejamento urbano como importante fator para a adaptação das cidades às mudanças climáticas

Planejamento urbano como importante fator para a adaptação das cidades às mudanças climáticas

Nos últimos anos, as mudanças climáticas geraram grandes debates em torno das questões ambientais. Apesar de muitas incertezas, existe um consenso científico de que, desde o início da era industrial, as atividades humanas têm sido diretamente responsáveis por essas mudanças. Por isso, devido a alta concentração de pessoas, infraestruturas e atividades, as áreas urbanas são consideradas potenciais indutores das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, áreas particularmente vulneráveis aos efeitos dessas mudanças.

São muitos os impactos previstos para as próximas décadas em áreas urbanas: o aumento acentuado de temperatura devido a conjugação dos efeitos das mudanças climáticas com a ilha de calor urbana; o aumento dos riscos associados a precipitações intensas, como cheias e inundações; a diminuição das precipitações médias e o consequente comprometimento do abastecimento de água; nas áreas costeiras, o aumento de tempestades e a subida do nível do mar provocando inundações e até a submersão de bairros litorâneos; o aumento da poluição atmosférica provocada pelo incremento de fluxos radioativos, pelo tráfego intenso de automóveis e pelas atividades industriais; a diminuição da qualidade da água devido à diminuição dos caudais e ao aumento dos efluentes líquidos e gasosos, além dos resíduos sólidos; e por fim, o aumento da intensidade e frequência de ondas de calor.

Esse panorama faz emergir a necessidade de mudanças no contexto do planejamento urbano nas diferentes regiões do planeta. Surgem novas prioridades, reforçando a dimensão ambiental do ordenamento do território e o estabelecimento de uma nova lógica de coordenação das ações e de integração de políticas com diferentes prioridades.

As mudanças climáticas são uma ameaça particular a regiões com alta concentração populacional e com atividades econômicas baseadas em estruturas ambientais frágeis e vulneráveis, como é o caso de regiões costeiras, foz de rios e áreas baixas. As maiores implicações para essas áreas podem ser estruturadas em três categorias distintas, fortemente inter-relacionadas:

  • Ambiental: Alterações nos sistemas marinhos e costeiros, cobertura florestal e biodiversidade;
  • Econômica: Ameaça à segurança da água, impactos na agricultura e pesca, interrupção do turismo e redução da segurança energética – situações que podem ter um impacto negativo na economia;
  • Social: perdas dos meios de subsistência de comunidades, aumento de problemas de saúde, e deslocamento de populações em busca de novos locais para viver.

No que se refere às características físicas do espaço urbano, os fatores determinantes dos impactos de um evento climático extremo são o uso do solo e a morfologia da área de vizinhança que inclui as habitações e o espaço para interações sociais e econômicas. A forma e a distribuição dessas estruturas (dispersa ou concentrada) criam uma realidade física particular que pode induzir os comportamentos com um impacto significativo sobre o desempenho ambiental de um determinado lugar.

No caso das áreas urbanizadas, o aumento de temperatura, assim como a alteração nos regimes de ventos e outras variáveis do meio biofísico, exercem uma significativa alteração nos volumes e distribuição das chuvas, concentrando as precipitações atmosféricas em algumas regiões e tornando-as escassas em outras. Evaporação, temperatura e precipitação são importantes parâmetros climáticos. Ao mesmo tempo em que a temperatura global e regional está a aumentar, a evaporação da água da superfície e do solo também aumenta. Normalmente, mais evaporação representa mais vapor de água na atmosfera e consequentemente, mais precipitação.

Assim, uma redistribuição nos regimes pluviométricos pode trazer consequências sérias para a vida da população, principalmente, sobre a população urbana. A gestão das grandes chuvadas é um desafio para qualquer área populacional. À medida que as cidades se desenvolvem, as superfícies impermeáveis cada vez maiores contribuem para a alteração da qualidade e quantidade da drenagem das águas. Infraestruturas e áreas construídas podem modificar consideravelmente a superfície do solo e, causar stress ao ecossistema pela modificação do equilíbrio hidrológico, e pela contaminação da água e dos solos.

Com vistas a enfrentar esses problemas, muitas cidades tem desenvolvido políticas de adaptação às mudanças climáticas. Na maior parte dos casos, o planejamento urbano constitui-se em um recurso essencial para promover uma forma de urbanização mais adequada e, até mesmo deslocar determinadas atividades das áreas de risco.

Adaptação às Mudanças Climáticas

Adaptação é o ajuste nos sistemas naturais ou humanos em resposta aos estímulos climáticos atuais ou estimados,  ou seus efeitos, de modo a controlar danos ou explorar as boas oportunidades. Sendo assim, pode-se entender que as estratégias de adaptação devem abordar causas e inevitáveis consequências das mudanças climáticas.

No planeamento urbano, a adaptação deve ser um processo sistemático e cíclico que envolve algumas etapas básicas:

  • Avaliação de riscos e de vulnerabilidades às mudanças climáticas;
  • Identificação de opções de adaptação;
  • Avaliação das opções de adaptação;
  • Implementação;
  • Monitorização e avaliação das ações de adaptação

Os atores envolvidos na adaptação abrangem uma larga gama de interesses setoriais. Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias de adaptação em sistemas urbanos torna-se um processo extremamente complexo e desafiador. Muitos atores são obrigados a trabalhar de forma colaborativa, bem como de forma independente.

O sucesso do planejamento e da implementação de estratégias de adaptação depende de vários fatores tais como: ações de sensibilização, orientadas para os diferentes agentes envolvidos, além do envolvimento de diferentes setores e escalas políticas; soluções que proporcionam benefícios adicionais, para que sejam bem aceitas pela comunidade e mais facilmente implementadas; e por fim, o trabalho com a natureza, em vez de trabalhar contra os processos naturais.

O ordenamento de território exerce um papel fundamental nesse contexto, pois aborda tanto as causas como as inevitáveis consequências das mudanças climáticas. Para tanto, deve envolver o planejamento ambiental no novo enquadramento das intervenções espaciais, com um enfoque de longo prazo e com especial atenção às relações entre as novas formas construídas e as existentes.

A mudança climática afeta os diferentes aspectos de ordenamento do território e do ambiente construído, incluindo as estruturas externas dos edifícios, os ambientes internos, a infra-estrutura de serviços (drenagem, água, resíduos, energia, transportes e telecomunicações), os espaços abertos, o conforto humano, e a forma como as pessoas usam o espaço interior e exterior.

Integrar as mudanças climáticas nos códigos de construção e de ordenamento do território torna-se imperativo, pois o ambiente construído tem longo tempo de vida e alto custo. Novas intervenções devem ser concebidas para lidar com o futuro e incluir na paisagem urbana, espaços abertos e corredores de transporte que levam em consideração as previsões de aumento temperaturas, de mudança dos padrões de chuvas, e do aumento do nível do mar em algumas décadas.

Por que precisamos falar urgentemente em Resiliência?

Por que precisamos falar urgentemente em Resiliência?

Você sabe o que significa resiliência? O que esse termo tem a ver com a greve dos caminhoneiros? Que lições podemos tirar dessa crise para a construção da resiliência às mudanças climáticas?

Uma greve de caminhoneiros provocou essa semana, uma crise de abastecimento em todo o país e a consequente interrupção de serviços urbanos básicos, tais como transporte público, recolha de lixo, abastecimento de água, de gás e a oferta de serviços de saúde, entre outros.

A luz vermelha se acendeu!! Até que ponto nossas cidades são resilientes a uma crise que, por ventura, possa ser provocada por algum evento climático extremo?

Em geral, a resiliência é entendida como a capacidade de um determinado sistema para recuperar o seu equilíbrio depois de ter sofrido uma perturbação. Mas essa descrição um tanto reducionista não se aplica a um sistema complexo como uma cidade, exposta a uma grande diversidade de riscos. Podemos chamar de cidades resilientes aquelas preparadas para absorver e se recuperar de qualquer tipo de choque ou estresse, mantendo suas funções e estruturas essenciais e sua identidade, e que se mostrem capazes de se adaptar e enfrentar possíveis mudanças. Mas a resiliência urbana é uma característica construída ao longo do desenvolvimento e do crescimento urbano. Para tanto, é necessário um planejamento urbano estratégico e sustentável, que leve em consideração alguns princípios fundamentais de resiliência.

A experiência dessa semana mostrou a grande fragilidade dos nossos sistemas urbanos cujo  abastecimento de bens e insumos é suportado apenas pelo transporte rodoviário.  Essa situação rompe com o princípio essencial da resiliência: Manter a diversidade e a redundância. Esse princípio defende que sistemas com muitos componentes diferentes (no caso, outros tipos de transporte de cargas como o ferroviário, fluvial, marítimo e aéreo) são geralmente mais resilientes do que um sistema com poucos componentes (situação do Brasil). Além disso, a redundância (disponibilidade do recurso superior à sua necessidade) garante a segurança dentro de um sistema, permitindo que alguns componentes compensem a perda ou a falha de outros. Vale aquele ditado: “não coloque todos os ovos na mesma cesta”.

Mas no caso específico da greve dos transportes de cargas, ainda temos outro aspecto agravante: a dependência dos combustíveis fósseis, especificamente o óleo diesel. No Brasil, tanto os transportes de carga, quanto os transportes públicos e de particulares seguem a mesma matriz energética focada no petróleo. E esse produto também é distribuído por rodovias. Essa situação nos coloca à mercê de muitas variáveis que podem ser afetadas em uma crise, tais como a disponibilidade do produto (seja por produção própria ou importação), a capacidade de distribuição e abastecimento,  e a variabilidade dos preços em função das políticas adotadas. Aliás, essa semana ficou claro o equívoco estratégico das políticas de transporte que tem sido adotadas há décadas segidas tanto em nível nacional, quanto local.

Se fizermos um contraponto do que ocorreu essa semana,  avaliando a nossa capacidade de resiliência à uma crise de abastecimento e relacionarmos com os possíveis impactos associados à mudança climática, fica evidente a necessidade de repensarmos as dinâmicas urbanas de nossas cidadesE a questão do transporte é crucial em um contexto de mudanças climáticas.

Os transportes representam uma parcela significativa (14%) na emissão de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global e ao mesmo tempo, constituem um setor estratégico no caso de perturbações provocadas por eventos climáticos extremos. Sendo assim, é fundamental  uma atenção especial às políticas públicas que definem a estrutura modal de transportes e a matriz energética que movem o país e as cidades. E prá isso, além da demanda por investimento financeiro, é essencial a vontade política de mudar, o que no Brasil, pode ser a tarefa mais complexa.

Vale aqui listar algumas medidas sustentáveis adotadas em muitos países que podem servir de inspiração para a nossa mudança: o investimento em ciclovias, a diversificação  de meios de transporte, como o uso de trens, metrôs e barcos,  a ampliação da rede de transporte público, o incentivo à implementação de veículos elétricos e movidos a biocombustíveis e o financiamento de pesquisas em novas tecnologias para transportes e combustíveis.

  • Foto: Pablo Jacob / Agencia O Globo
Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?

Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?

Chega o fim da tarde e ela olha para o céu: lá vem chuva de novo! Desce um frio na coluna pois, pela cara do tempo, ela prevê como serão as próximas horas nas redondezas….pavor, destruição, sofrimento.  A água não tem dado trégua…quando vem, vem com intensidade e rapidamente. Isso não é nenhuma novidade por aqui, mas parece que as consequências são cada vez piores… casas destruídas; pessoas desalojadas, desaparecidas, feridas; muitos danos e prejuízos. No final, ela ouve desolada as avaliações simplistas das autoridades:

“Foi a força da natureza!”

Essa estórinha é uma constante em muitos municípios brasileiros.

Sim, é a natureza respondendo às agressões que sofreu nos últimos séculos. Durante muito tempo a humanidade quis usufruir mais e mais de seus avanços tecnológicos e o consumismo desenfreado aproveitou ao máximo os recursos naturais disponíveis. Agora sabemos quais as consequências de tudo isso…o clima está mudando!

No meio científico há um grande consenso sobre a ocorrência das mudanças do clima. Considera-se que elas são provocadas pelo aquecimento global, fruto do estilo de vida moderno que liberou em excesso no ar os gases de efeito estufa. Esses gases fazem com que o calor emitido pelo sol fique preso na atmosfera. Assim, a temperatura do ar aumenta, o regime de ventos e de chuvas se altera e o nível do mar sobe.

É claro que tudo isso tem reflexos devastadores sobre o homem, o ambiente construído e a natureza. Temos sentido os impactos literalmente na pele: secas prolongadas, chuvas intensas em curtos períodos de tempo, ondas de calor, poluição, tempestades, erosões costeiras e inundações. Com isso, o abastecimento de água e energia, a qualidade do ar e da água, as insfraestruturas urbanas, a produção de alimentos, o turismo, a indústria, a pesca, a segurança, o bem estar e a saúde das pessoas são gravemente afetadas gerando perdas ambientais, socias e econômicas.  Em maior ou menor grau, todos nós sofremos com isso. Depende apenas de onde moramos, das características biofísicas de nossa cidade, do quanto dependemos dos recursos naturais e das condições climáticas para nossa subsistência, mas principalmente das condições politicoinstitucionais locais que podem oferecer maiores ou menorescondições para que a comunidade local enfrente essas situações.

Entretudo, apesar da evolução científica nas últimas décadas relacionada às mudanças do clima, causas, consequências e respostas adequadas, a população em geral não consegue perceber os reflexos positivos desse avanço no seu cotidiano. E geralmente as comunidades mais vulneráveis são aquelas mais pobres e marginalizadas, que moram em bairros periféricos ou ocupações ilegais, desprovidas de infraestrutura e serviços urbanos de qualidade, e sem conhecimento e poder junto ao poder local para reinvidicar melhores condições.

Para preencher essa lacuna entre o que os cientistas sabem para facilitar e melhorar a vida das pessoas, e o que acontece na prática, é necessário uma atitude proativa de decisores e formuladores de políticas públicas, ou seja, dos governantes locais.

Está claro através de sucessivos desastres vivenciados por inúmeras comunidades brasileiras que não é mais possível adotar as mesmas soluções até então adotadas para enfrentar os desafios climáticos atuais.  Uma questão essencial é admitir que o clima está mudando e, principalmente, que temos que olhar mais para o futuro do que para o passado. Não basta apenas conhecer o histórico de desastres climáticos locais…é necessário associar a isso as novas tendências de cenários futuros. Essa não é uma tarefa fácil, implica em conhecimento especializado e multidisciplinar. Mas, para obtermos resultados diferentes, é necessário fazermos diferente. Isso exige vontade política, liderança, comprometimento e envolvimento da comunidade.

Em muitos municípios do país já existe um avanço enorme nessa área com a implementação de planos e medidas de gestão de riscos de desastres. As diretrizes de nossos Órgãos de Proteção e Defesa Civil são modernas e inovadoras. Elas acompanham as recomendações internacionais que têm como grande característica positiva, a mobilização comunitária. Mas infelizmente, nem tudo que está no papel é colocado em prática. No Brasil, a cultura da decisão centralizada ainda está muito arraigada na administração local: os governantes decidem e as outras partes interessadas não participam da decisão…o que é uma pena pois na busca por soluções, acaba-se por deixar de fora quem realmente vive o problema no dia a dia e conhece todas as suas demandas.

Porém a gestão de riscos de desastres é apenas parte da solução. Se o clima está mudando, não podemos pensar apenas em abordar eventos extremos, mas temos sim que encontrar formas de adaptar o nosso cotidiano a essa nova realidade climática. Um clima diferente daquele que sempre estivemos acostumados a viver nem sempre significa um prognóstico ruim. Conhecer a nossa realidade local (econômica, social e ambiental) e associá-la aos cenários climáticos futuros pode nos revelar novas oportunidades a serem exploradas. Um exemplo disso é o amplo crescimento nos últimos anos de empresas voltadas para a produção de energias limpas…elas protegem o ambiente, geram emprego, renda e garantem o bem estar da população a partir de fontes renováveis de energia. Talvez, se não tivessemos esse panorama de mudanças climáticas, onde um dos grandes vilões é o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, essa nova realidade cheia de grandes oportunidades não estaria acontecendo.

Entretanto, assim como as oportunidades que podem surgir, temos que estar atentos também às novas limitações e riscos que possamos enfrentar, sejam eles relacionados à saúde, segurança e bem estar das pessoas, a questões econômicas como a alteração na produção de determinados alimentos, a inviabilização de alguns investimentos, e ainda a questões ambientais como prejuizos à biodiversidade, entre outros.

Portanto, em um momento de clima em transição, quando falamos em adaptação às mudanças climáticas, temos que ter em mente três questões essenciais:

  • a mitigação, ou seja, adotar medidas para reduzir os impactos nocivos das mudanças climáticas;
  • a redução de riscos de desastres, através de medidas específicas em caso de ocorrência local de eventos climáticos extremos;
  • a adaptação à realidade climática em transição, com suas possíveis restrições e oportunidades.

Está na hora de nossos líderes assumirem que o clima está mudando muito mais rápido do que nossas respostas a isso. E que a principal abordagem para essa situação é promover o quanto antes iniciativas locais de adaptação “com” as mudanças do clima, processo esse que envolve todos as partes interessadas. Dessa forma será possível identificar adequadamente a dimensão do problema na realidade local, além de promover soluções criativas e de baixo custo, que podem ser implementadas de forma autônoma e independente pela própria comunidade. Esse envolvimento da comunidade é essencial, pois garante um respaldo político às decisões tomadas e uma maior eficiência das soluções adotadas.

Resiliência urbana em um panorama de mudanças climáticas

Resiliência urbana em um panorama de mudanças climáticas

Atualmente, a grande maioria da população mundial concentra-se em áreas urbanas e, à medida que as cidades crescem em tamanho e em importância, começam a apresentar uma série de problemas tanto de ordem social, quanto ambiental.

Nos últimos anos, a preocupação com o combate à pobreza, o crescimento populacional, o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente e os novos desafios da economia ganharam destaque de forma progressiva em todo o globo. As discussões sobre sustentabilidade passaram a fazer parte da agenda política da maioria dos governos na busca em conciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade cada vez mais óbvia de não destruir a própria base de recursos da qual o desenvolvimento depende.

O panorama das mudanças climáticas trouxe novos desafios na busca pela sustentabilidade, onde qualquer tipo de planejamento assume um grau de complexidade maior. O conhecimento dos efeitos das mudanças climáticas associado ao entendimento das vulnerabilidades locais são essenciais para aumentar a capacidade adaptativa das comunidades e consequentemente, criar resiliência.

Mudanças Climáticas e Cidades

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), principal organismo internacional sobre o assunto, prevê ainda neste século o aumento das temperaturas globais, com variações entre 1,8 e 4,0 graus. Com isso, confirma-se a probabilidade de eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas, inundações e furacões se tornarem cada vez mais freqüentes.

O  processo de urbanização intenso tem modificando rapidamente a dinâmica das cidades, com crescimento maior previsto especialmente nas regiões em desenvolvimento. Mais da metade da população mundial vive hoje a menos de 60 quilômetros do mar e três quartos de todas as grandes cidades estão localizadas em regiões costeiras, o que as torna particularmente vulneráveis aos eventos climáticos, como elevação do nível do mar, por exemplo. Além disso, a ONU prospecta para as cidades um futuro em que as temperaturas elevadas afetarão a saúde humana e a produtividade das plantações, intensificarão eventos naturais, como inundações, incêndios florestais e ciclones.

Mas os impactos das mudanças climáticas sobre a infra-estrutura física urbana, economia, saúde pública e segurança devem ser discutidos em função da vulnerabilidade de grupos ​​específicos, de acordo com localização geográfica, características climáticas e grau de exposição aos riscos.

As diferentes formas de urbanização, a fragilidade e as incapacidades dos governos locais e o desenvolvimento e expansão de cidades em áreas de risco são os principais fatores que aumentaram a vulnerabilidade às mudanças climáticas em áreas urbanas. Sendo assim, as cidades podem enfrentar dificuldades no fornecimento  dos serviços básicos aos seus habitantes, como o abastecimento de água, o fornecimento de energia, a indústria e os serviços em cidades em todo o mundo. Isso pode transtornar economias locais e populações, prejudicar os meios de subsistência, e em alguns casos, levar a migrações em massa. Tais impactos não são susceptíveis de ser uniformemente distribuídos, entre as regiões e cidades, em todos os setores da economia, ou entre grupos sócio-econômicos. Em vez disso, os impactos tendem a reforçar desigualdades existentes. Como resultado, as mudanças climáticas podem prejudicar o tecido social das cidades e exacerbar a pobreza.

As complexas interacções entre as forças sociais e naturais, atuando em escalas múltiplas do indivíduo e da comunidade podem gerar verdadeiros desastres. As políticas que visam uma resposta efetiva e de recuperação exigem uma compreensão destas forças de interacção. O sucesso desta equação depende basicamente da relação entre a vulnerabilidade e a capacidade de adaptação, ou seja, a capacidade de um sistema de ajustar-se às mudanças climáticas, incluindo a variabilidade do clima e os eventos extremos, de modo a moderar danos potenciais, lidar com as consequências ou obter vantagens de oportunidades.

Resiliência às mudanças climáticas

A resiliência refere-se à capacidade de um sistema em absorver perturbações e reorganizar-se, enquanto está sujeito a forças de mudança, sendo capaz de manter o essencial das suas funções, estrutura, identidade e mecanismos de funcionamento, ou seja, é a capacidade de uma comunidade ou sociedade para adaptar-se quando exposta a um perigo.

No contexto das mudanças climáticas a resiliência local é produto de governos, empresas, populações e indivíduos com forte capacidade adaptativa. Mas para manter funções essenciais face a ameaças perigosas e impactos, especialmente para populações vulneráveis, é preciso antecipar as mudanças climáticas e planejar a adaptação. Portanto, pode-se dizer que o que torna as comunidades resilientes é o conhecimento dos riscos e a disponibilidade das ferramentas e recursos para confrontar as ameaças. A resiliência de qualquer grupo populacional às mudanças climáticas interage com a sua resiliência a outras pressões dinâmicas, incluindo mudanças econômicas, conflitos e violência.

Mas de um modo geral, em comunidades de países pobres altamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, as administrações públicas são pouco participativas. As decisões são tomadas de forma vertical, de cima para baixo, e a burocracia e a falta de recursos acabam por retardar a colocação em prática das soluções necessárias.

Assim como desenvolver a sustentabilidade, criar resiliência é uma tarefa difícil e complexa. Não existe uma receita única. A literatura aponta algumas ações para aumentar a resiliência das comunidades:

  1. promover e sustentar a diversidade em todas as formas (biológica, da paisagem, social e econômica);
  2. abraçar e trabalhar com variabilidade ecológica (ao invés de tentar controlá-la ou reduzi-la);
  3. assegurar as características de modularidade do sistema cujos componentes não são necessariamente conectados todos entre si:
  4. ter uma política focada no lento controle de variáveis associadas a seus limites, de modo a que o próprio sistema possa absorver distúrbios que possam ser criados por outras ações;
  5. lutar para manter ou forçar feedbackspositivos;
  6. valorizar o capital social, promovendo confiança, redes sociais bem desenvolvidas e liderança, de modo a garantir a capacidade dos agentes envolvidos para modificar qualquer distúrbio;
  7. promover a inovação, dando ênfase para a aprendizagem, experimentação, desenvolvimento de regras locais e estímulo a mudança;
  8. ter instituições que incluam estruturas de governança, com propostas de diversidade e flexibilidade, sobreposição de direitos e um mixdos direitos de propriedade comum e privada:
  9. incluir nas propostas e avaliações em desenvolvimento todos os serviços de ecossistemas sem valor monetário.

A partir do exposto, é possível estabelecer algumas relações entre os conceitos de sustentabilidade e resiliência. Por um lado, identifica-se tanto no conceito de sustentabilidade quanto de resiliência, a necessidade de medidas de precaução no uso dos recursos naturais e sobre os riscos emergentes das mudanças climáticas, a prevenção de vulnerabilidades, e a promoção da integridade ecológica para o futuro. Da mesma forma, enquanto a sustentabilidade, expressa claramente o desejo persistente e equitativo de bem-estar a longo prazo, algumas de suas aspirações são capturadas na noção de resiliência (a capacidade a persistir e a capacidade de adaptar-se).

Por outro lado, enquanto a resiliência foca-se na habilidade de recuperação rápida de uma adversidade, se diferencia da sustentabilidade por esta ser pró-ativa, ou seja, focar-se não apenas na capacidade do sistema de simplesmente existir, mas sim de sobreviver e prosperar.

As respostas estratégicas para a variabilidade climática podem determinar a resiliência em um sistema sócio-ecológico. Essas respostas podem ser espontâneas ou deliberadas por políticas públicas e dependem basicamente do enquadramento que é dado ao problema, da estrutura de governança e da sensibilidade aos feedbacks. O elemento chave para o sucesso desse processo é a informação e o envolvimento da comunidade, e isso só vai ocorrer em instituições com uma boa governança que garanta um processo decentralizado, participativo e inclusivo, de modo a promover a autonomia, a transparência, a responsabilidade e a flexibilidade.

Dessa forma, a construção da resiliência às mudanças climáticas pode ser o caminho seguro para alcançar a sustentabilidade das comunidades.

 

Receba materiais exclusivos!