Riscos globais e a nossa capacidade de resiliência. O que podemos aprender com o coronavirus?

Riscos globais e a nossa capacidade de resiliência. O que podemos aprender com o coronavirus?

O último relatório do Fórum Econômico Mundial  apresentou um panorama dos riscos globais para o ano de 2020. Os riscos socioambientais  – relacionados, em geral, à crise climática e suas consequências – estão entre os mais perigosos (maior probabilidade de ocorrência e maior impacto). Entretanto, a ocorrência de doenças infecciosas aparece como um risco de grande impacto.

Infelizmente, logo no início do ano, vivenciamos a ocorrência de uma pandemia – o coronavirus – que, apesar de muitos alertas de grupos científicos, nos pegou de surpresa. O mundo virou de cabeça para baixo e estamos tentando nos adaptar a essa nova realidade.

Ao analisar a situação, fica a dúvida sobre a nossa capacidade de resiliência frente a outros futuros riscos globais. Nesse sentido, é importante discutirmos quais os fatores são essenciais para construirmos resiliência a novos distúrbios de grande magnitude e abrangência. É sobre isso que esse artigo vai tratar.

Os riscos globais que podem nos atingir

Vivemos em um ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo. Forças econômicas, demográficas e tecnológicas poderosas estão moldando um novo equilíbrio de poder. Além de um cenário geopolítico instável, questões sociais, ambientais e tecnológicas são componentes dos grandes riscos globais

Infelizmente, esse panorama não é passageiro. É o novo normal. Nesse cenário, nações, cidades, comunidades ou até mesmo empresas, podem enfrentar grandes turbulências no decorrer dos próximos anos. Por isso, precisam estar preparadas para responder às dificuldades e se adaptar a novas realidades.

As mudanças climáticas estão no topo da lista de riscos globais e na origem de vários outros riscos socioambientais, tais como a ocorrência de eventos climáticos extremos, de desastres naturais, perda de biodiversidade, crise hídrica, crise alimentar e novas pandemias. 

Já, a turbulência geopolítica relacionada às tensões comerciais e às rivalidades tecnológicas entre países podem gerar conflitos internacionais e falha da governança global, além de gerar ciber ataques e quebra na infraestrutura de informações.

A solução para qualquer uma das situações não é fácil. Qualquer um desses riscos globais exige respostas rápidas e coordenadas por parte de decisores e uma flexibilidade adaptativa de todos os agentes envolvidos. 

Adaptação transformativa e resiliência a riscos socioambientais

Como vimos em um de nossos artigos,  podemos chamar de resilientes aquelas comunidades ou empresas preparadas para absorver e se recuperar de qualquer tipo de choque ou estresse, mantendo suas funções e estruturas essenciais e sua identidade, e que se mostrem capazes de se adaptar e enfrentar possíveis mudanças. 

Em geral, os riscos globais geram situações socioambientais disruptivas. Por isso, o enfrentamento precisa ser abordado a partir de uma transformação focada na redução de riscos e vulnerabilidades. 

Para aumentar a capacidade adaptativa das pessoas e grupos, torna-se importante alterar a dinâmica e a estrutura dos sistemas, suas relações econômicas e sociais, bem como crenças e comportamentos de indivíduos e grupos. A capacidade de um sistema de se adaptar e tornar-se resiliente está relacionada à sua capacidade de mudar, aprender e inovar. 

O coronavirus nos mostrou isso com muita clareza. Tivemos que mudar nossos hábitos e comportamentos, aprender mais sobre o vírus, as formas de contágio e a doença em si, e encontrar soluções criativas e inovadoras para suprir as nossas necessidades do dia a dia e de nossa sobrevivência.

Esse quadro é muito elucidativo e nos faz refletir se estamos preparados para enfrentar novos riscos globais. A experiência do coronavirus é traumática mas também educadora. Agora estamos cientes de que é preciso fazer muito mais para aumentarmos nossa resiliência socioecológica.

Como vimos recentemente, alguns fatores são capazes de desencadear as interações necessárias para garantir um processo transformador de adaptação. Nesse contexto, o envolvimento dos agentes interessados é um mecanismo essencial para a mudança, o aprendizado é a base fundamental da mudança e a ação coletiva é a maneira de promover a mudança. 

As dimensões sociais no processo de construção de resiliência a riscos globais

Três dimensões sociais e suas interações geram as dinâmicas necessãrias para a construção de resiliência à um risco global. O conhecimento é considerado o motor da mudança, enquanto que a cultura da comunidade ou da empresa e os mecanismos de governança são os agentes da mudança. Cada um desses fatores tem uma função específica e a interação dos três é o que determina a capacidade ou não do sistema de criar resiliência aos desafios socioambientais.

O conhecimento capacita as pessoas e permite ações mais efetivas nos processos participativos de tomada de decisão. Com a ocorrência do coronavírus, a ciência se destacou. As pessoas buscaram se informar e saber mais sobre o assunto para então se posicionarem sobre as decisões tomadas.

Entretanto, é importante que as discussões  estejam centrados no valor de diferentes formas de conhecimento – científica e tradicional – e no papel em particular da ciência. 

O conhecimento local ou tradicional, que baseia-se principalmente na observação, experimentação (processos de tentativa e erro) e na transmissão de conhecimento assimilado de geração para geração, pode ajudar no processo de adaptação em três maneiras: i) exposição biofísica e social; ii) sensibilidade à mudança e variabilidade; e iii) capacidade adaptativa e processos de adaptação. Normalmente é a memória de ocorrências similares que auxilia nesse processo.

Já a cultura desempenha um papel importante na mediação das respostas humanas aos riscos globais. As respostas dependem de como os grupos sociais se relacionam com o ambiente físico ou natural, bem como com os sistemas humanos. Foram muitas as ações coletivas de solidariedade que vimos no enfrentamento do coronavirus, próprias de nossa culura.

Além disso, as soluções são concebidas e implementadas através da cultura. Fatores culturais moldam como as pessoas apoiam as intervenções de adaptação e sua motivação para responder a elas. A experiência cultural reforça ou refina os hábitos, habilidades e estilos com os quais as pessoas constroem “estratégias de ação”. 

Por fim, os mecanismos de governança são as estruturas e processos pelos quais as sociedades compartilham poder, moldam as ações individuais e coletivas. Através desses mecanismos é possível desenvolver as principais capacidades de gerenciar a resiliência: auto-organização, aprendizado e adaptação.

A resiliência é uma característica que pode ser construída. Mesmo de forma intuitiva, à medida que enfrentamos determinados riscos, nos adaptamos à novas realidades e nos tornamos mais resilientes. 

A mudança climática é o mais eminente risco global. Construir resiliência a essa ameaça é essencial. Temos todas as condições para isso. E um eficiente treinamento prévio com o coronavírus.

 

As oportunidades geradas pelas mudanças climáticas: empresas e indivíduos em busca de soluções sustentáveis.

As oportunidades geradas pelas mudanças climáticas: empresas e indivíduos em busca de soluções sustentáveis.

Nos últimos anos temos visto um crescente engajamento de grandes empresas e organizações em busca de soluções sustentáveis para oferecer a seus clientes.

Certamente, elas identificaram as oportunidades geradas pela crise climática. Mas, acima de tudo, o que elas querem é se diferenciar de seus concorrentes e aumentar o valor de sua marca. E, em muitos casos, essas ações se alinham naturalmente ao gerenciamento de riscos do próprio negócio.

O que vamos abordar aqui

Nesse artigo vamos abordar os drivers que impulsionam uma nova era econômica que está surgindo, a janela de oportunidades que se abre para as empresas, as áreas-chaves para uma economia de baixo carbono, como as empresas estão se empenhando para oferecer soluções sustentáveis, e de que forma os indivíduos podem contribuir para esse processo.

A nova era econômica

Estamos à beira de uma nova era econômica focada acima de tudo, na transição para uma economia resiliente e de baixo carbono.  

Os próximos 10 a 15 anos são essenciais em termos de clima. Para manter a temperatura média global  abaixo de  1,5° C, será necessário até 2030 uma mudança decisiva em nossas formas de produção e consumo. Isso exige um esforço ímpar por parte de governos, iniciativa privada e indivíduos, pois a crise climática vem associada a muitos outros drivers de mudança.

O mundo enfrenta na atualidade mudanças estruturais tais como a rápida urbanização, o aumento da globalização, as mudanças para economias baseadas em serviços e o aumento da automação. Por isso, nosso crescimento dependerá da interação entre inovação tecnológica, investimentos em soluções sustentáveis em infraestrutura e aumento da produtividade de recursos

Podemos olhar para essa situação  de duas formas. A primeira é com grande preocupação e uma certa apatia, visto que os desafios a serem enfrentados são enormes. A segunda é como uma janela de oportunidades que se abre para novos modelos econômicos. Em outras palavras, podemos assumir a mudança transformativa que essa situação nos impõe. Pautados pelos avanços tecnológicos, com criatividade e inovação, podemos propor soluções sustentáveis para alcançar um crescimento forte, equilibrado e inclusivo.

As oportunidades de negócios geradas pela crise climática

As respostas para a crise climática envolvem a mitigação (diminuir as emissões para minimizar os impactos) e a adaptação (identificar formas de viver em um clima diferente, com restrições de recursos e com impactos que não poderão ser evitados). Consequentemente, estamos rumando para uma economia de baixo carbono. Em outras palavras, nosso crescimento estará pautado em reduzir os impactos sobre o meio ambiente, gerando emprego e desenvolvimento.

Acima de tudo, precisamos ampliar a produção e o consumo de energias limpas,  atingir ganhos de eficiência energética e produtiva. Isso requer o uso racional  dos recursos naturais,  uma matriz energética renovável e  uma produção circular. E suma, a  economia de baixo carbono está centrada na inovação dos processos produtivos e nas soluções tecnológicas capazes de reduzir os impactos sobre o planeta.

As áreas-chave para uma economia de baixo carbono

Abaixo seguem as principais áreas onde os investimentos em tecnologia e inovação podem gerar uma economia de baixo carbono e promover o desenvolvimento sustentável:

  • Sistemas de energia limpa: Negócios  focados na transição de combustíveis fósseis para energia renovável, descentralizando os sistemas,  usando a tecnologia digital para implementar sistemas mais resilientes, limpos e baratos e ampliar o fornecimento de energia para mais pessoas.
  • Desenvolvimento urbano mais inteligente.  Bom planejamento urbano e investimentos em infraestrutura, cidades mais compactas, conectadas e coordenadas estimularão o crescimento econômico, melhorando o acesso a empregos e moradia.
  • Uso sustentável da terra. Agricultura e proteção florestal mais sustentáveis ​​podem melhorar a segurança alimentar, inclusive reduzindo a perda e o desperdício de alimentos e oferecendo soluções climáticas.
  • Gestão inteligente da água. Novas tecnologias para melhorar gerenciamento  dos recursos hídricos e do saneamento.
  • Uma economia industrial circular. Produção que reutilize, reaproveite e recicle, combinada com o aumento da eficiência pode dissociar o crescimento econômico do uso de materiais e impulsionar a descarbonização das atividades industriais.

A redução de emissões de GEE

No Brasil, temos exemplos de empresas com metas de médio prazo para a redução de gases de efeito estufa (GEE). A maioria delas tem como prazo alvo o ano de 2025. Mas em alguns casos, as metas se estendem até 2030 e até 2050. Em geral, a necessidade de dar respostas rápidas aos investidores é o que justifica os prazos mais curtos com metas de redução de GEE. 

Nos últimos anos, as nossas empresas apresentaram em geral uma redução de emissões, mas esse movimento tem sido atribuído a alterações na produção e a desinvestimentos provocados pela crise econômica.

Porém, um número crescente de empresas tem encontrado nesse cenário de transição para baixas emissões, novas oportunidades de mercado. O exemplo mais claro é o aumento de empresas que investem em soluções sustentáveis voltadas para a produção de energia limpa. Como exemplo, podemos citar a produção de energia limpa, proveniente do sol (fotovoltaica) e dos ventos (eólica).

Ainda têm aquelas que fazem do combate à mudança do clima o “core” do seu negócio. O exemplo internacional é a Tesla que tem como missão oferecer carros elétricos a preços cada vez mais acessíveis.

As soluções sustentáveis e inovadoras

Mas, não são só as grandes corporações que têm contribuído com soluções de baixo carbono. Mundo afora surgem cada vez mais pequenas empresas e startups que encontram nas soluções sustentáveis, uma forma de contribuir com o planeta e ainda ganhar dinheiro.

Normalmente são empresas com um propósito ambiental bem definido. Elas aliam a tecnologia de comunicação a ideias simples de redução de consumo, de compartilhamento,  de reciclagem, de oferta de produtos sustentáveis e de prestação de serviços em meio digital.

Muitos de nós já tem alguma experiência com serviços desse tipo que, em suas atividades nos oferecem a oportunidade de diminuirmos nossa pegada carbônica. Os exempos de soluções sustentáveis são  os mais variados. Poderíamos citar empresas que:

  • coletam os resíduos orgânicos produzidos por restaurantes e residentes locais, transformando-os em adubo orgânico;
  • dão o destino correto a materiais que podem ser reciclados;
  • colocam no mercado alimentos que seriam desperdiçados, tais como as frutas feias, ou alimentos com prazo de validade a vencer;
  • promovem a mobilidade sustentável com o compartilhamento de carros, de veículos elétricos e de bicicletas;
  • evitam o deslocamento das pessoas, oferecendo soluções digitais, tais como bancos, e-comerce ou cursos online.
  • Portanto, já vemos um movimento crescente, assertivo e proativo, por parte de empresas de todas as esferas de abrangência e em diversos segmentos da sociedade, rumo a uma realidade com menos emissões.

A adaptação das empresas

No nosso artigo anterior vimos que os governos precisam olhar para possíveis formas de adaptação a um clima diferente e suas consequências. Similarmente, as empresas também necessitam estar a par dos riscos que podem enfrentar com a mudança climática.

Uma avaliação criteriosa de vulnerabilidades pode indicar a diminuição gradativa da disponibilidade de recursos essenciais para a empresa. Acima de tudo está a falta de água, de energia, ou de matérias primas, especialmente aquelas que dependem do clima, como a produção agrícola.

Além disso, a ocorrência de eventos climáticos extremos pode afetar os edifícios, a infraestrutura da empresa, os meios de produção, a logística e até mesmo interferir na segurança de seus colaboradores, de forma a diminuir ou até a interromper suas atividades.

Já abordamos esse tema no artigo “Como o clima pode interferir no seu negócio“.

O nosso papel individual para minimizar a crise climática

Nesse contexto, está na hora de cada um de nós, como indivíduos assumirmos a nossa parcela de responsabilidade e agirmos de forma proativa pela estabilização do aquecimento global.

Para ajudar você a encontrar o seu próprio jeito de reduzir a sua contribuição para as mudanças climáticas, me baseio em um estudo recente da Universidade de Lund, na Suécia (acesse aqui). Esse estudo analisou quais as atitudes individuais têm maior impacto na redução de emissões de GEE. Também elaboramos um infográfico que sintetiza as informações.Você pode acessá-lo aqui. Assim, você pode selecionar algumas ações pessoais que mais facilmente se integram no seu dia a dia e avaliar o grau de contribuição que elas podem representar.

Ações individuais de alto impacto sobre as mudanças climáticas

As quatro mais importantes medidas, classificadas como ações de alto impacto sobre as mudanças climáticas são: viver sem carro, evitar viagens de avião, utilizar energias renováveis e adotar uma dieta baseada em vegetais. Cada uma dessas medidas pode reduzir em um ano, mais de 0,8 toneladas de GEE.

  • Viver sem carro pode ser uma decisão difícil para quem vive em uma cidade grande, considerando que aqui no Brasil nossas opções de transportes públicos são limitadas. Porém, para muita gente que vive em cidades menores, essa opção pode não parecer absurda. E, mesmo em cidades grandes, novas alternativas de mobilidade estão surgindo, como foi citado anteriormente, tais como os aplicativos de compartilhamento que oferecem bicicletas, ou patinetes e carros elétricos.
  • Reduzir as viagens aéreas pode não ser a opção de quem vai fazer aquela bela viagem de férias, ou de quem pretende conhecer o destino dos sonhos. Mas pode ser uma ótima opção para aqueles que fazem viagens constantes a trabalho e que, muitas vezes poderiam adotar tecnologias de comunicação para evitar algumas delas. Além de diminuir as emissões de GEE, pode reduzir custos, ganhar tempo, evitar desgaste físico e até aumentar o tempo em família.
  • Utilizar energias renováveis é uma opção que muitas vezes não depende de decisões individuais, visto que nossa matriz energética ainda não contempla essas modalidades em larga escala. Entretanto, muitas pessoas já utilizam carros movidos a biodiesel e está crescendo o uso de painéis fotovoltaicos que transformam a energia solar em energia elétrica. O avanço da tecnologia deverá em breve diminuir os custos e facilitar também o acesso aos carros elétricos.
  • Adotar uma dieta a base de vegetais pode ser impensável para quem não vive sem carne, mas existem muitas pessoas que só estão esperando um bom motivo para virarem vegetarianos…aqui temos um bom motivo! O simples fato de reduzir o consumo de carne já tem impacto positivo.

Ações individuais de médio impacto sobre as mudanças climáticas

As medidas consideradas de impacto moderado podem reduzir em um ano entre 0,2 e 0,8 toneladas de GEE. São medidas alternativas às anteriores, ou seja, menos radicais:

  • Utilizar meios eficientes de aquecimento e refrigeração de ambientes. Isso pode envolver o planejamento de tecnologias passivas de construção, tais como a melhoria da ventilação, o uso de isolantes térmicos e de vegetação para minimizar o calor.
  • Outras opções incluem modelos de ar condicionados de alta eficiência e o uso de painéis solares para aquecimento da água. 
  • Usar transporte público, bicicleta e caminhadas como alternativas ao carro. Se você não vive sem carro, que tal considerar em algumas situações, deixar o carro em casa e adotar formas mais leves de mobilidade. Essa atitude pode fazer uma grande diferença no saldo das suas emissões de GEE.
  • Trocar eletrodomésticos e equipamentos antigos por produtos de alta eficiência energética. Essa atitude pode representar um investimento inicial maior, mas a diminuição do consumo de energia traz benefícios futuros para sua conta bancária e para o clima.
  • Reduzir o consumo de carne. Como vimos anteriormente, a pecuária é uma das atividades que mais emite GEE.
  • Lavar roupas com água fria e secar a roupa ao ar livre. Essas ações evitam o consumo de energia para o aquecimento da água e para a secagem das roupas. A produção de calor consome mais energia do que outras funções.
  • Reduzir, reusar e reciclar. Tornar a vida mais simples e diminuir a dependência do consumo é um ótimo caminho para beneficiar o clima. O reuso envolve a doação de produtos que você não precisa mais ou, com criatividade, a sua adaptação a novos usos. A reciclagem diminui o uso de matérias-primas, reaproveitando ao máximo aquele material que já foi beneficiado e evita o seu descarte na natureza. Todas essas ações diminuem as suas emissões de GEE.
  • Comprar produtos locais. Essa medida se concentra em produtos que percorrem distâncias menores, reduzindo assim, as emissões do transporte. Além disso favorece a economia local.

Ações individuais de baixo impacto sobre as mudanças climáticas

E por fim, as medidas de baixo impacto, que podem atingir em um ano até 0,2 toneladas de GEE. Apesar de terem um impacto menor, podem ajudar no conjunto de ações. São elas:

  • Economizar água. A tendência é de que em breve, algumas regiões vão enfrentar restrições no acesso à água. Assim, novas tecnologias de captação e tratamento da água serão necessárias, o que pode aumentar as emissões de GEE.
  • Minimizar o lixo e evitar as embalagens desnecessárias. Como vimos, o lixo é um grande emissor de GEE. Da mesma forma, ao diminuirmos o uso de embalagens e os produtos descartáveis, reduzimos processos industriais que envolvem a aquisição de matéria prima, a produção e o transporte de um item a mais no produto. Avalie os produtos que você consome e se identificar a possibilidade de reduzir a embalagem, sugira ao fornecedor.
  • Fazer a compostagem dos resíduos orgânicos. Esse é um processo simples, ocupa pouco espaço, não dá cheiro e gera adubo que você pode usar nas plantas. Esse processo evita que o gás metano produzido na decomposição de material orgânico vá parar na atmosfera. Além disso, diminui o transporte usado na coleta do lixo, a produção de aterros sanitários e os lixões que continuam a existir, apesar da legislação contrária.
  • Comprar produtos orgânicos ou ter uma hortinha em casa. Sua produção não utiliza fertilizantes que são grandes emissores de GEE.
  • Trocar lâmpadas antigas por aquelas de alta eficiência. Essa é uma das medidas mais conhecidas e normalmente está relacionada à diminuição dos custos com energia, mas também reduz emissões.

Ações individuais complementares

  • Plantar uma árvore. Se você tem espaço na sua casa ou na sua empresa, plante árvores. Elas são consumidoras de CO2, retirando esse gás da atmosfera. Da mesma forma, evite o corte de árvores. 
  • Compensar suas emissões. Se você tiver dificuldades em adotar qualquer uma das ações acima, você pode compensar suas emissões contribuindo com projetos que geram créditos de carbono, tais com projetos de reflorestamento, ou de recuperação de áreas degradadas com o uso da vegetação.

Ainda, além dessa gama de opções que podem ajudar você a reduzir a sua contribuição para as mudanças climáticas, você pode assumir um compromisso cívico e atuar pela conscientização de outras pessoas para a realidade climática. Da mesma forma, você também pode exercer pressão para que nossos governantes assumam as suas responsabilidades, seja através do voto, pela manifestação de sua indagação a representantes locais e regionais, pela sua assinatura em petições, por manifestações públicas ou mesmo pela atuação em organizações que tratam do tema das mudanças climáticas.

Além disso, é essencial que você se mantenha informado para identificar os possíveis impactos que a mudança do clima pode gerar na sua região. Só assim você poderá avaliar os riscos aos quais está exposto e quais as medidas que estão ao seu alcance para evitar perdas futuras.

Por fim, gostaria de ressaltar que, além de todas as medidas que citei acima, o bom senso e a criatividade são seus maiores aliados. São eles que vão ajudar você a encontrar a sua forma pessoal de mitigar emissões de GEE e de se adaptar a um clima diferente.

Se você entender que água, energia, mobilidade, consumo e lixo estão no centro dessa questão, e que o caminho é ter em mente as ações de reduzir, reciclar, compartilhar ou dar novos usos, com certeza, você estará no rumo certo. E se, além disso,  você conseguir influenciar outras pessoas a fazerem o mesmo, com certeza  você terá feito a sua parte.

O futuro que queremos

Mudar valores, crenças e hábitos não é algo simples, especialmente por que cada comunidade tem sua própria cultura, construída através do tempo. No entanto, a cultura não é um resultado e sim, um processo dinâmico e contínuo, sujeito a influências externas.

De qualquer modo, a busca pela sustentabilidade  já é uma tendência global. Cada vez mais pessoas e empresas têm buscado soluções sustentáveis para as demandas do dia a dia.

Além disso, você pode identificar a possibilidade de novas oportunidades de negócios, onde novas empresas e até produtos podem surgir para solucionar questões das Mudanças Climáticas.

Aqui, eu apresentei para você muitos motivos pelos quais você poderá se dispor a ir em frente na sua mudança pessoal, profissional ou até empresarial. E esse foi o seu primeiro passo para a mudança. Vamos em frente?

Até a próxima!

Nosso futuro comum: as responsabilidades de adaptação em tempos de crise climática

Nosso futuro comum: as responsabilidades de adaptação em tempos de crise climática

Diante das duras previsões climáticas para os próximos anos e décadas, quais as opções que temos para minimizar as mudanças em curso e adaptar a nossa forma de viver? Além disso, de quem são as responsabilidades de adaptação?

Durante mais de 20 anos ouvirmos falar nas mudanças climáticas. Mas, por muito tempo preferimos ignorar os estudos científicos, duvidar de sua veracidade. Resumindo, optamos por não tomar atitude nenhuma.  Em outras palavras,  já que esta é uma questão global, “da humanidade”,  que os “outros” resolvam!

Posteriormente percebemos que não fazer nada, não é uma resposta, e sim uma fuga do problema!

O que vamos abordar aqui

Em nosso artigo anterior, abordamos os desafios que a mudança do clima nos apresentam.

Nesse artigo, primeiramente vou abordar as respostas possíveis à essa situação. Posteriormente, vou discutir como o mundo deve ver a adaptação às mudanças climáticas.  Além disso, vou discutir as responsabilidades de adaptação nas diferentes escalas do poder público. Por fim, vou citar alguns exemplos de medidas que estão sendo adotadas em diferentes locais do mundo e que portanto,  podem nos auxiliar a enfrentar as consequências de um clima diferente.

As possíveis respostas

Para identificarmos as possíveis respostas à crise climática,  devemos ter em mente  de que a mudança climática é verdadeiramente uma questão global.  Ou seja:  independentemente de onde os gases de efeito estufa (GEE) são emitidos, eles se distribuem pela atmosfera como um todo. Como resultado,  as suas consequências serão sentidas por todos indistintamente. Contudo, países, regiões e cidades terão impactos diferentes, dependendo de suas condições físicas e características socioeconômicas

Durante muito tempo, duas possíveis respostas foram apontadas pelos cientistas. A primeira delas  é  a mitigação, que significa a diminuição das causas do aquecimento global (emissões de GEE). A segunda é a adaptação,  que significa um ajustamento da vida a um clima em mudança com recursos mais escassos.  Mas, atualmente entende-se que essas duas respostas estão interrelacionadas e devem ser vistas em conjunto.

Mitigação

A mitigação foi a primeira resposta a ser discutida e adotada internacionalmente. Como as concentrações e as emissões dos GEE podem ser aferidas numericamente, a elaboração de medidas para controlar as emissões é relativamente simples. Sendo assim, a mitigação é normalmente estabelecida através de mecanismos reguladores e de mercado definidos pelos governos centrais.

A adoção de limites legais sobre emissões, regulamentação e controle de produtos e mercados (como o mercado de carbono) pode ser determinada de diferentes formas.  Uma delas é a partir de estímulos econômicos, como por exemplo  um incentivo ou subsídio para que um determinado setor diminua suas emissões. Outra forma é  por intervenções do governo através da criação de leis e regulamentações.  Ou seja, os  envolvidos se obrigam a diminuir suas emissões  e,  como resultado, a nação pode cumprir seus acordos internacionais.

Essas iniciativas em âmbito nacional estabelecem posteriormente caminhos para ações governamentais setoriais, regionais ou locais para a adoção de medidas específicas. Por isso, a governança da mitigação é clara: a responsabilidade em estabelecer as regras de mitigação é das autoridades públicas.

As boas práticas de mitigação

A Tabela 1 mostra exemplos de medidas de mitigação adotadas pelo mundo.

Tabela 1: Boas práticas de mitigação. 

SETORES MEDIDAS DE MITIGAÇÃO
Energia
Substituição de lâmpadas, aparelhos e equipamentos antigos por mais eficientes
Utilizar sistemas individuais de energia de base  renovável, tais como a energia solar, para aquecimento e iluminação de edifícios
Desenvolver formas de aproveitamento de energias alternativas que emitam menos GEE, tais como a biomassa (bagaço de cana), ou a eólica (do vento)
Incluir a eficiência energética no planejamento da construção
Sensibilizar as pessoas para os benefícios da eficiência energética e do uso racional de energia
Transportes
Reduzir a utilização de automóveis
Diversificar o uso do solo nos bairros para que as pessoas possam atender suas necessidades diárias a pé
Restringir o uso do carro em áreas centrais da cidade e promover o transporte público
Usar transportes movidos a biocombustíveis e ou eletricidade
Melhorar a integração de diferentes modais de transporte
Aumentar a qualidade e quantidade de ciclovias e criar áreas de estacionamento de bicicletas
Florestas
Diminuir o desmatamento
Aumentar as áreas de florestas
Manter as florestas limpas
Evitar o uso de plantas exóticas que podem ampliar os incêndios florestais
Agricultura e pecuária
Diminuir o uso de fertilizantes industriais
Aumentar a área de produção de orgânicos
Promover a diversificação de culturas
– Promover a redução do consumo de carne

 

Adaptação

As medidas de adaptação exigem recursos financeiros e ações onde os impactos ocorrem, envolvendo uma variedade de partes interessadas. Consequentemente, as resposnabilidades de adaptação estão concentradas em governos regionais e locais, além de empresas, instituições públicas e privadas e comunidades vulneráveis.

As responsabilidades de adaptação

Ao contrário da mitigação, como a adaptação precisa ocorrer em nível local, os governos nacionais não são necessariamente responsabilizados em atuar nesse campo. Contudo, muitos países elaboram diretrizes nacionais de adaptação que orientam a elaboração de planos regionais, setoriais e locais. No Brasil, temos um Plano Nacional de Adaptação desde 2016, que transfere uma parte das responsabilidades de adaptação para os principais setores produtivos do país.

Por outro lado,  até o momento as autoridades públicas locais e regionais não assumiram completamente as suas responsabilidades de adaptação. Muitos líderes locais  vêem a adaptação como um custo que pode ser adiado. E isso pode piorar a situação. Em geral, a percepção da necessidade de adaptar coincide com a ocorrência de eventos extremos. Por exemplo, grandes inundações, secas prolongadas ou extensos incêndios florestais aumentam as pressões por parte da mídia e dos envolvidos para uma ação mais efetiva. Depois disso, quando o evento extremo passa, a necessidade de intervenção imediata não é mais percebida.

A dimensão da adaptação

A adaptação tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade aos efeitos nocivos das mudanças climáticas. Como exemplos desses efeitos pode-se citar a invasão da água do mar em áreas costeiras, a ocorrência de eventos climáticos extremos mais intensos ou mesmo a insegurança alimentar provocada pela escassez de água e pelas perdas na lavoura.

Mas, as medidas reativas têm sido insuficientes para lidar com as pressões associadas às mudanças climáticas. Além disso, a abordagem incremental da adaptação, ou seja, aquela que se foca num impacto específico, não é mais suficiente. É preciso abordar a adaptação de forma sistêmica, englobando as raízes dos impactos a serem enfrentados.

As novas abordagens da adaptação

Sendo assim,  outros determinantes não climáticos de vulnerabilidade, tais como demografia, economia, condições sócio-políticas e desenvolvimento tecnológico devem fazer parte dessa equação. Por isso, crescem as discussões sobre a natureza das respostas da sociedade a serem consideradas. Acima de tudo há um consenso  de que a situação atual clama por uma abordagem transformativa, sem precedentes. Ou seja,  precisamos adotar uma abordagem que tenha visão sistêmica de adaptação “com” mudanças climáticas.

Nesse caso, a mitigação deixa de ser uma resposta isolada e passa a fazer parte do processo de adaptação. Em outras palavras, temos que assumir um novo modelo de desenvolvimento pautado pela baixa emissão de gases de efeito estufa.  

Como resultado, quando os governos assumem suas responsabilidades de adaptação tanto regionais como locais, eles precisam envolver os  diversos setores, com foco em diferentes objetivos. Por exemplo, a redução da vulnerabilidade, o gerenciamento de riscos de desastres ou o planejamento de adaptação proativa

São três os tipos de medidas de adaptação: Físico-estrutural, institucional ou social.

Medidas físico-estruturais de adaptação:

As medidas físico-estruturais são aquelas baseadas em:

  • Opções de engenharia e do ambiente construído: relaciona-se a obras estruturais, tais como diques, muros de proteção, obras de drenagem, entre outras;
  • Opções tecnológicas: são medidas relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, tais como o desenvolvimento de novas variedades de cereais para a agricultura, tecnologias para purificação da água, métodos de irrigação, entre outros.
  • Opções baseadas em ecossistemas: restauração de ecossistemas, conservação do solo, ou soluções de drenagem baseadas em plantas, entre outras;
  • Opções baseadas em serviços, tais como programas de vacinação, ou ampliação de serviços médicos especializados, entre outros.

Essas medidas exigem maior investimento e suas ações dependem de um planejamento prévio.

Medidas institucionais de adaptação:

Essas medidas estão relacionadas à descisões políticas e institucionais.

  •  Opções econômicas, tais como o uso de incentivos fiscais, pagamentos de serviços de ecossistemas, ou parcerias público-privadas, entre outras;
  • Opções baseadas em leis e regulamentações, tais como códigos de uso do solo, código de obras, ou delimitação legal de áreas protegidas, entre outros;
  • Opções de programas e politicas nacionais e regionais, tais como planos de adaptação, planos de gestão de bacias hidrográficas ou planos de contingência a desastres naturais, entre outros.

Medidas sociais de adaptação:

As medidas sociais tem como objetivo transformar a cultura das comunidades para viver em um clima diferente.

  • Opções educacionais que envolvem ações para o aumento da consciência das pessoas sobre o problema, tais como serviços de extensão, plataformas de aprendizado ou pesquisas de ação participativa, entre outros;
  • Opções informativas tais como mapas de vulnerabilidade e perigo, sistemas de monitoramento e alerta, ou divulgação de relatórios integrados de avaliação, entre outros;
  • Opções comportamentais tais como ações de preparação da população para enfrentar riscos, planos de evacuação, confiança nas redes sociais com previsões antecipadas, entre outros.

As boas práticas de adaptação

A tabela a seguir mostra alguns exemplos de adaptação que estão sendo implementados.

 Tabela 2: Boas práticas de adaptação

Impactos esperados Medidas de adaptação

Aumento da temperatura, Ondas de calor

 

Redução da densidade de construção
Aumento de áreas de sombra com o uso de vegetação
Aumentar as superfícies
Melhorar os sistemas de ventilação dos edifícios
Utilizar a água no paisagismo
Criar sistemas de alertas para ondas de calor
Integrar as necessidades das populações mais vulneráveis nos planos de emergência
Equipar serviços de urgência
Diminuição da qualidade do ar
Restrições no transito
Melhorar o transporte público
Promover a partilha de carros
Monitorar níveis de poluição e suas fontes
Criar serviços de alerta
Redução da disponibilidade de água

– Ampliar a capacidade de reservatóriosColetar a água da chuva

Reutilizar as águas residuais tratadas
Melhorar o sistema de distribuição e controlar o desperdício
Desenvolver campanhas para o uso eficiente da água
Promover equipamentos com uso eficiente da água
Cheias e inundações
Melhorar os sistemas de identificação de áreas de risco
Criar áreas de proteção livre de construções às margens dos rios
Usar materiais e tipos de construção resistentes à inundações
Reestabelecer áreas naturais de retenção de água da chuva
Ajustar os sistemas de drenagem à nova realidade de chuvas
Implementar sistemas alternativos de armazenamento de água da chuva
– Adequar o ocupação do solo e as infraestruturas a fenômenos hidrológicos extremas

 

A abrangência da adaptação

Atualmente a mudança climática está sendo considerada em uma variedade de planos de desenvolvimento. Nós abordamos esse tema em um artigo anterior que fala do planejamento urbano como uma ferramenta de adaptação.

O mais importante é entender que adaptar significa reconhecer que o clima está diferente e gerir da melhor forma as suas consequências. Em outras palavras,  isso envolve a gestão de desastres, o uso  e ocupação do solo, a gestão de florestas. de recursos hídricos,  a mobilidade urbana, entre outros.

Por outro lado, além dos impactos, a adaptação engloba o aproveitamento de potenciais oportunidades associadas às mudanças climáticas. Por exemplo, podemos citar o desenvolvimento de tecnologias mais limpas, sistemas que purificam a água, tecnologias de energia renovável, ou até a implementação de novas culturas agrícolas em áreas cujo clima antes não permitia.

As oportunidades geradas pela necessidade de adaptação

Certamente, para aproveitar as oportunidades que têm surgido, o investimento em pesquisa e inovação, e a participação do setor privado são essenciais. Portanto, as responsabilidades de adaptação devem ser partilhadas e assim todo mundo ganha. Mas, acima de tudo, o conhecimento e a informação são a base para o planejamento da melhor forma de aproveitar as oportunidades identificadas.

Em suma, o surgimento de novas tecnologias e de novos modelos de negócios concentrados em baixas emissões de carbono, constituem  um novo caminho para a adaptação às mudanças climáticas. 

Esse é um desafio imenso, que só terá êxito com uma transformação profunda nas formas como o mundo produz, consome e vive. Esse desafio so será vencido se eu, você, e as demais pessoas, além das mais variadas instituições publicas e privadas, nos engajarmos nessa luta, assumindo nossas responsabilidades de adaptação e atuando de forma proativa.

O próximo artigo

No próximo artigo vou abordar como o setor privado tem assimido suas responsabilidades de adaptação e aproveitado as oportunidades de negócios. Além disso, você vai saber o que pode fazer individualmente para reduzir suas emissões e contribuir para superarmos essa crise com mais qualidade de vida e segurança. 

Até lá!

As mudanças do clima geram grandes desafios para as cidades

As mudanças do clima geram grandes desafios para as cidades

O aumento da população urbana é um fenômeno mundial. No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento as taxas de urbanização cresceram significativamente nas últimas décadas. Enquanto no mundo 54% da população vive em cidades, em 2010 os dados do IBGE registravam que 84% da população brasileira já vivia em áreas urbanas. Essa realidade tem múltiplas causas e várias consequências desafiadoras para quem pensa, planeja e gere as cidades. Estar atento a isso é o primeiro passo para o desenvolvimento de cidades sustentáveis. As aglomerações humanas apresentam-se como fatores responsáveis por uma parte significativa dos problemas ambientais, tais como o desmatamento que provoca o desaparecimento de espécies da fauna e flora; o assoriamento dos rios, que contribui para extinção de espécies aquáticas; a concentração de lixo, que causa a contaminação do solo, ar e água, e expõe a população a doenças; o aumento de áreas impermeabilizadas que altera o escoamento da água, entre outros. Além disso, mais pessoas concentradas em um único lugar, geram maior demanda por bens e serviços, ampliando assim os desafios a serem enfrentados pelos gestores públicos. Todos nós temos uma idéia dos maiores problemas que a rápida urbanização provocou nas cidades e especialmente nas metrópolis brasileiras: grande parte da população vive em favelas; o setor informal claramente cresceu; os serviços básicos são inadequados e muitas vezes inascecíveis, tais como água, saneamento e energia; a mobilidade urbana é deficiente, a expansão urbana é desordenada; existem conflitos políticos e sociais sobre o uso de recursos naturais; e os níveis de vulnerabilidade a desastres naturais são altos. Porém, esses desafios são coletivamente agravados pelas mudanças climáticas. A crescente intensidade e freqüência dos efeitos das mudanças climáticas previstos para as próximas décadas representam uma ameaça para o equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. Nesse sentido planejadores e gestores urbanos precisam ter em mente 4 questões fundamentais:
  • Primeiro: qualquer planejamento urbano de longo prazo que visa um desenvolvimento mais sustentável deve levar em consideração os impactos das mudanças climáticas pois, sem isso, os ganhos de desenvolvimento de hoje podem ser perdidos amanhã.
  • Segundo: as formas como nossas cidades são planejadas e operam – bem como os estilos de vida das pessoas que vivem nelas – são os principais contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa que causam a mudança climática. As ações humanas e as próprias características da cidade, como morfologia, densidade e uso dos materiais, podem influenciar na composição da atmosfera e no comportamento das variáveis meteorológicas como radiação, temperatura, circulação do ar e precipitação.
  • Terceiro: o crescimento urbano será cada vez mais impulsionado pela migração rural-urbana induzida por mudanças climáticas.
  • Quarto: a rápida urbanização revela o aumento de populações em favelas, aumentando o número de assentamentos irregulares e informais, a demanda por habitação e serviços básicos, ampliando assim a pressão sobre a terra e os ecossistemas. As diferenças sociais e a pobreza levam as populações menos favorecidas a ocupar áreas ambientalmente frágeis que não deveriam ser ocupadas tais como encostas de morros, regiões costeiras, deltas dos rios e áreas muito baixas. Essas áreas são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas e podem desencadear verdadeiros desastres naturais.
Aumento de temperatura, alteração na precipitação, interferência no regime de ventos e subida do nível do mar são os principais efeitos das mudanças climáticas. A crescente intensidade desses efeitos e a alteração da frequência prevista para as próximas décadas representam uma ameaça ao equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. Esses efeitos podem causar impactos nas estruturas urbanas que compreendem o ambiente construído, natural e as pessoas, de modo a causar danos que podem vir a comprometer a dinâmica das cidades. A ocorrência de desastres climáticos depende especificamente da vulnerabilidade de determinadas comunidades, ou seja, das relações entre a exposição ao risco e a sua capacidade de adaptação. O comportamento humano é determinante para definir o grau do risco e a capacidade de resiliência do sistema.Assim, os impactos das mudanças climáticas sobre a infra-estrutura física urbana, economias, saúde pública e segurança são discutidos em função da vulnerabilidade de grupos ​​específicos. Alguns conceitos são fundamentais para compreender os processos naturais como riscos e identificar o que torna uma sociedade vulnerável às mudanças climáticas:
  • Os riscos são previsíveis a partir de uma avaliação científica, ou seja, podem reduzir-se os efeitos de um evento perigoso com previsão e alerta. A partir de qualquer outro evento precursor é possível identificar a localização de um risco e determinar a probabilidade de que aconteça um evento de uma determinada magnitude.
  • A análise de risco é um componente importante na compreensão dos efeitos de processos perigosos. Sem conhecer o perigo, não é possível agir de forma a minimizá-lo ou até mesmo evitá-lo.
  • Existem vínculos entre diferentes riscos naturais, assim como entre os riscos e o meio físico. O impacto de um perigo é em parte função de sua magnitude, e do intervalo de eventos, ou seja, sua frequência, mas também está relacionado a outros fatores, como clima, geologia, vegetação, população e especificamente o uso do solo, fator de origem essencialmente antropogênica.
  • Eventos perigosos que antes produziam desastres, agora produzem catástrofes. Isso se dá principalmente pelo crescimento da população e sua concentração em determinadas áreas (áreas urbanas), fazendo com que os danos econômicos, sociais e ambientais adquiram dimensões muito maiores.
A partir do conhecimento da dinâmica de um determinado tipo de evento climático é possível adotar uma resposta preventiva de forma a evitar os riscos ou adaptar-se a eles. Para tanto algumas ações são necessárias, tais como: planejamento do uso do solo, investimento em seguro, formulação de estratégias de adaptação, a preparação das pessoas frente ao risco de desastre através do treinamento, e controle artificial de processos naturais. Nesse processo, a busca pela informação precisa e confiável, a forma como ela é disseminada através de ferramentas de comunicação, além do envolvimento da população a partir de mecanismos de participação podem fazer a diferença.
Planejamento urbano como importante fator para a adaptação das cidades às mudanças climáticas

Planejamento urbano como importante fator para a adaptação das cidades às mudanças climáticas

Nos últimos anos, as mudanças climáticas geraram grandes debates em torno das questões ambientais. Apesar de muitas incertezas, existe um consenso científico de que, desde o início da era industrial, as atividades humanas têm sido diretamente responsáveis por essas mudanças. Por isso, devido a alta concentração de pessoas, infraestruturas e atividades, as áreas urbanas são consideradas potenciais indutores das mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, áreas particularmente vulneráveis aos efeitos dessas mudanças.

São muitos os impactos previstos para as próximas décadas em áreas urbanas: o aumento acentuado de temperatura devido a conjugação dos efeitos das mudanças climáticas com a ilha de calor urbana; o aumento dos riscos associados a precipitações intensas, como cheias e inundações; a diminuição das precipitações médias e o consequente comprometimento do abastecimento de água; nas áreas costeiras, o aumento de tempestades e a subida do nível do mar provocando inundações e até a submersão de bairros litorâneos; o aumento da poluição atmosférica provocada pelo incremento de fluxos radioativos, pelo tráfego intenso de automóveis e pelas atividades industriais; a diminuição da qualidade da água devido à diminuição dos caudais e ao aumento dos efluentes líquidos e gasosos, além dos resíduos sólidos; e por fim, o aumento da intensidade e frequência de ondas de calor.

Esse panorama faz emergir a necessidade de mudanças no contexto do planejamento urbano nas diferentes regiões do planeta. Surgem novas prioridades, reforçando a dimensão ambiental do ordenamento do território e o estabelecimento de uma nova lógica de coordenação das ações e de integração de políticas com diferentes prioridades.

As mudanças climáticas são uma ameaça particular a regiões com alta concentração populacional e com atividades econômicas baseadas em estruturas ambientais frágeis e vulneráveis, como é o caso de regiões costeiras, foz de rios e áreas baixas. As maiores implicações para essas áreas podem ser estruturadas em três categorias distintas, fortemente inter-relacionadas:

  • Ambiental: Alterações nos sistemas marinhos e costeiros, cobertura florestal e biodiversidade;
  • Econômica: Ameaça à segurança da água, impactos na agricultura e pesca, interrupção do turismo e redução da segurança energética – situações que podem ter um impacto negativo na economia;
  • Social: perdas dos meios de subsistência de comunidades, aumento de problemas de saúde, e deslocamento de populações em busca de novos locais para viver.

No que se refere às características físicas do espaço urbano, os fatores determinantes dos impactos de um evento climático extremo são o uso do solo e a morfologia da área de vizinhança que inclui as habitações e o espaço para interações sociais e econômicas. A forma e a distribuição dessas estruturas (dispersa ou concentrada) criam uma realidade física particular que pode induzir os comportamentos com um impacto significativo sobre o desempenho ambiental de um determinado lugar.

No caso das áreas urbanizadas, o aumento de temperatura, assim como a alteração nos regimes de ventos e outras variáveis do meio biofísico, exercem uma significativa alteração nos volumes e distribuição das chuvas, concentrando as precipitações atmosféricas em algumas regiões e tornando-as escassas em outras. Evaporação, temperatura e precipitação são importantes parâmetros climáticos. Ao mesmo tempo em que a temperatura global e regional está a aumentar, a evaporação da água da superfície e do solo também aumenta. Normalmente, mais evaporação representa mais vapor de água na atmosfera e consequentemente, mais precipitação.

Assim, uma redistribuição nos regimes pluviométricos pode trazer consequências sérias para a vida da população, principalmente, sobre a população urbana. A gestão das grandes chuvadas é um desafio para qualquer área populacional. À medida que as cidades se desenvolvem, as superfícies impermeáveis cada vez maiores contribuem para a alteração da qualidade e quantidade da drenagem das águas. Infraestruturas e áreas construídas podem modificar consideravelmente a superfície do solo e, causar stress ao ecossistema pela modificação do equilíbrio hidrológico, e pela contaminação da água e dos solos.

Com vistas a enfrentar esses problemas, muitas cidades tem desenvolvido políticas de adaptação às mudanças climáticas. Na maior parte dos casos, o planejamento urbano constitui-se em um recurso essencial para promover uma forma de urbanização mais adequada e, até mesmo deslocar determinadas atividades das áreas de risco.

Adaptação às Mudanças Climáticas

Adaptação é o ajuste nos sistemas naturais ou humanos em resposta aos estímulos climáticos atuais ou estimados,  ou seus efeitos, de modo a controlar danos ou explorar as boas oportunidades. Sendo assim, pode-se entender que as estratégias de adaptação devem abordar causas e inevitáveis consequências das mudanças climáticas.

No planeamento urbano, a adaptação deve ser um processo sistemático e cíclico que envolve algumas etapas básicas:

  • Avaliação de riscos e de vulnerabilidades às mudanças climáticas;
  • Identificação de opções de adaptação;
  • Avaliação das opções de adaptação;
  • Implementação;
  • Monitorização e avaliação das ações de adaptação

Os atores envolvidos na adaptação abrangem uma larga gama de interesses setoriais. Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias de adaptação em sistemas urbanos torna-se um processo extremamente complexo e desafiador. Muitos atores são obrigados a trabalhar de forma colaborativa, bem como de forma independente.

O sucesso do planejamento e da implementação de estratégias de adaptação depende de vários fatores tais como: ações de sensibilização, orientadas para os diferentes agentes envolvidos, além do envolvimento de diferentes setores e escalas políticas; soluções que proporcionam benefícios adicionais, para que sejam bem aceitas pela comunidade e mais facilmente implementadas; e por fim, o trabalho com a natureza, em vez de trabalhar contra os processos naturais.

O ordenamento de território exerce um papel fundamental nesse contexto, pois aborda tanto as causas como as inevitáveis consequências das mudanças climáticas. Para tanto, deve envolver o planejamento ambiental no novo enquadramento das intervenções espaciais, com um enfoque de longo prazo e com especial atenção às relações entre as novas formas construídas e as existentes.

A mudança climática afeta os diferentes aspectos de ordenamento do território e do ambiente construído, incluindo as estruturas externas dos edifícios, os ambientes internos, a infra-estrutura de serviços (drenagem, água, resíduos, energia, transportes e telecomunicações), os espaços abertos, o conforto humano, e a forma como as pessoas usam o espaço interior e exterior.

Integrar as mudanças climáticas nos códigos de construção e de ordenamento do território torna-se imperativo, pois o ambiente construído tem longo tempo de vida e alto custo. Novas intervenções devem ser concebidas para lidar com o futuro e incluir na paisagem urbana, espaços abertos e corredores de transporte que levam em consideração as previsões de aumento temperaturas, de mudança dos padrões de chuvas, e do aumento do nível do mar em algumas décadas.