O último relatório do Fórum Econômico Mundial  apresentou um panorama dos riscos globais para o ano de 2020. Os riscos socioambientais  – relacionados, em geral, à crise climática e suas consequências – estão entre os mais perigosos (maior probabilidade de ocorrência e maior impacto). Entretanto, a ocorrência de doenças infecciosas aparece como um risco de grande impacto.

Infelizmente, logo no início do ano, vivenciamos a ocorrência de uma pandemia – o coronavirus – que, apesar de muitos alertas de grupos científicos, nos pegou de surpresa. O mundo virou de cabeça para baixo e estamos tentando nos adaptar a essa nova realidade.

Ao analisar a situação, fica a dúvida sobre a nossa capacidade de resiliência frente a outros futuros riscos globais. Nesse sentido, é importante discutirmos quais os fatores são essenciais para construirmos resiliência a novos distúrbios de grande magnitude e abrangência. É sobre isso que esse artigo vai tratar.

Os riscos globais que podem nos atingir

Vivemos em um ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo. Forças econômicas, demográficas e tecnológicas poderosas estão moldando um novo equilíbrio de poder. Além de um cenário geopolítico instável, questões sociais, ambientais e tecnológicas são componentes dos grandes riscos globais

Infelizmente, esse panorama não é passageiro. É o novo normal. Nesse cenário, nações, cidades, comunidades ou até mesmo empresas, podem enfrentar grandes turbulências no decorrer dos próximos anos. Por isso, precisam estar preparadas para responder às dificuldades e se adaptar a novas realidades.

As mudanças climáticas estão no topo da lista de riscos globais e na origem de vários outros riscos socioambientais, tais como a ocorrência de eventos climáticos extremos, de desastres naturais, perda de biodiversidade, crise hídrica, crise alimentar e novas pandemias. 

Já, a turbulência geopolítica relacionada às tensões comerciais e às rivalidades tecnológicas entre países podem gerar conflitos internacionais e falha da governança global, além de gerar ciber ataques e quebra na infraestrutura de informações.

A solução para qualquer uma das situações não é fácil. Qualquer um desses riscos globais exige respostas rápidas e coordenadas por parte de decisores e uma flexibilidade adaptativa de todos os agentes envolvidos. 

Adaptação transformativa e resiliência a riscos socioambientais

Como vimos em um de nossos artigos,  podemos chamar de resilientes aquelas comunidades ou empresas preparadas para absorver e se recuperar de qualquer tipo de choque ou estresse, mantendo suas funções e estruturas essenciais e sua identidade, e que se mostrem capazes de se adaptar e enfrentar possíveis mudanças. 

Em geral, os riscos globais geram situações socioambientais disruptivas. Por isso, o enfrentamento precisa ser abordado a partir de uma transformação focada na redução de riscos e vulnerabilidades. 

Para aumentar a capacidade adaptativa das pessoas e grupos, torna-se importante alterar a dinâmica e a estrutura dos sistemas, suas relações econômicas e sociais, bem como crenças e comportamentos de indivíduos e grupos. A capacidade de um sistema de se adaptar e tornar-se resiliente está relacionada à sua capacidade de mudar, aprender e inovar. 

O coronavirus nos mostrou isso com muita clareza. Tivemos que mudar nossos hábitos e comportamentos, aprender mais sobre o vírus, as formas de contágio e a doença em si, e encontrar soluções criativas e inovadoras para suprir as nossas necessidades do dia a dia e de nossa sobrevivência.

Esse quadro é muito elucidativo e nos faz refletir se estamos preparados para enfrentar novos riscos globais. A experiência do coronavirus é traumática mas também educadora. Agora estamos cientes de que é preciso fazer muito mais para aumentarmos nossa resiliência socioecológica.

Como vimos recentemente, alguns fatores são capazes de desencadear as interações necessárias para garantir um processo transformador de adaptação. Nesse contexto, o envolvimento dos agentes interessados é um mecanismo essencial para a mudança, o aprendizado é a base fundamental da mudança e a ação coletiva é a maneira de promover a mudança. 

As dimensões sociais no processo de construção de resiliência a riscos globais

Três dimensões sociais e suas interações geram as dinâmicas necessãrias para a construção de resiliência à um risco global. O conhecimento é considerado o motor da mudança, enquanto que a cultura da comunidade ou da empresa e os mecanismos de governança são os agentes da mudança. Cada um desses fatores tem uma função específica e a interação dos três é o que determina a capacidade ou não do sistema de criar resiliência aos desafios socioambientais.

O conhecimento capacita as pessoas e permite ações mais efetivas nos processos participativos de tomada de decisão. Com a ocorrência do coronavírus, a ciência se destacou. As pessoas buscaram se informar e saber mais sobre o assunto para então se posicionarem sobre as decisões tomadas.

Entretanto, é importante que as discussões  estejam centrados no valor de diferentes formas de conhecimento – científica e tradicional – e no papel em particular da ciência. 

O conhecimento local ou tradicional, que baseia-se principalmente na observação, experimentação (processos de tentativa e erro) e na transmissão de conhecimento assimilado de geração para geração, pode ajudar no processo de adaptação em três maneiras: i) exposição biofísica e social; ii) sensibilidade à mudança e variabilidade; e iii) capacidade adaptativa e processos de adaptação. Normalmente é a memória de ocorrências similares que auxilia nesse processo.

Já a cultura desempenha um papel importante na mediação das respostas humanas aos riscos globais. As respostas dependem de como os grupos sociais se relacionam com o ambiente físico ou natural, bem como com os sistemas humanos. Foram muitas as ações coletivas de solidariedade que vimos no enfrentamento do coronavirus, próprias de nossa culura.

Além disso, as soluções são concebidas e implementadas através da cultura. Fatores culturais moldam como as pessoas apoiam as intervenções de adaptação e sua motivação para responder a elas. A experiência cultural reforça ou refina os hábitos, habilidades e estilos com os quais as pessoas constroem “estratégias de ação”. 

Por fim, os mecanismos de governança são as estruturas e processos pelos quais as sociedades compartilham poder, moldam as ações individuais e coletivas. Através desses mecanismos é possível desenvolver as principais capacidades de gerenciar a resiliência: auto-organização, aprendizado e adaptação.

A resiliência é uma característica que pode ser construída. Mesmo de forma intuitiva, à medida que enfrentamos determinados riscos, nos adaptamos à novas realidades e nos tornamos mais resilientes. 

A mudança climática é o mais eminente risco global. Construir resiliência a essa ameaça é essencial. Temos todas as condições para isso. E um eficiente treinamento prévio com o coronavírus.

 

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