O que uma jovem autista de 16 anos pode fazer por mim, por você, pela humanidade?

O que uma jovem autista de 16 anos pode fazer por mim, por você, pela humanidade?

As mudanças climáticas estão chamando a atenção de jovens por todo o mundo.

Era uma sexta feira, no final de um verão recorde…Uma menina frágil, tímida, de rosto redondo e olhar sério, na época com 15 anos, senta-se em frente ao parlamento Sueco em Estocolmo. Ela carrega uma garrafa de água, uma mochila cheia de livros da escola, um lanche e um cartaz escrito por ela:

 “GREVE ESCOLAR PELO CLIMA”

Esta cena se repetiu por três semanas de agosto de 2018.

A mensagem foi ouvida

Aquela manifestante solitária não ficou sozinha por muito tempo. Primeiro, ela foi chamando a atenção de transeuntes.  Depois,  os maiores jornais da Suécia se interessaram por sua história.

Em seu tempo ali, ela distribuía panfletos com a seguinte mensagem:

“Vocês adultos, não dão a mínima para o meu futuro!”

Assim, essa adolescente que aos 11 anos de idade foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA, conhecido como Síndrome de Asperger) e mutismo seletivo, tornou-se a fundadora de um movimento juvenil internacional: #FridayForFuture.

A força dos jovens pelo clima

A mais nova ativista pelo clima tem hoje com 16 anos. Ela  já atraiu muitas dezenas de milhares de estudantes da sua faixa etária em quase 300 cidades espalhadas pelo mundo. Como resultado, sua mensagem ganhou eco.  Consequentemente, ela pode falar na Conferência de negociações climáticas da ONU (COP24) em dezembro na Polônia.

O mundo se impressionou quando essa jovem se dirigiu a uma sala repleta de estadistas, três a quatro vezes mais velhos do que ela, dizendo:

“Vocês não têm a maturidade para encarar os fatos como eles são. E até esse fardo vocês deixam para nós, crianças!”

Você pode assistir seu discurso aqui

O engajamento

Como resultado, muitos adolescentes em todo o mundo têm se manifestado por uma justiça climática e no próximo dia 15 de março eles estão planejando uma grande manifestação internacional, com eventos em mais de 50 países.

Mas, afinal, o que esta pequena história tem para nos mostrar? Por que o mundo está demorando tanto para se conscientizar de que estamos vivendo uma crise climática? O que podemos esperar de um futuro próximo?

São essas as questões que exploro a seguir. Continue lendo! Quem sabe, no final, você assuma uma posição sobre esse tema tão urgente e controverso.

Afinal é Preto, ou Branco?

Greta Thunberg é a personagem principal desta história. Com certeza seu protagonismo é fruto da sua curiosidade e de seu interesse em entender o porquê das coisas. Acima de tudo ela queria saber porque tinha que desligar as luzes e reciclar papel para economizar recursos. As respostas recebidas para estas questões não haviam lhe convencido!

Certamente, a busca por mais respostas e a clareza encontrada na ciência trouxeram outros questionamentos. Além disso, a sua visão das coisas, limitada pelo antagonismo do preto ou branco, intensificou a percepção da urgência da situação. Aí ela se perguntou: “Se a situação é verdadeiramente grave, por que ninguém faz nada?” Ou: “Se a queima de combustíveis fósseis é tão ruim que ameaça nossa própria existência, como podemos continuar como antes?”

Porém, na sua simplicidade, ela percebeu que as pessoas continuam fazendo o que fazem. Isso ocorre porque a vasta maioria não tem a menor ideia sobre as consequências reais das mudanças climáticas. E na sua ingenuidade, Greta resolveu fazer a sua parte! Então, com sua fala dura, direta e destemida, ela conseguiu elevar o medo dos jovens sobre seu futuro.E o mais importante, canalizou a frustração de muitos deles sobre à reticência dos políticos em a sério as mudanças climáticas.

A realidade das mudanças climáticas

Essa história acontece em um momento bastante crítico da nossa existência. Uma série de anúncios científicos tem demonstrado que estamos vivendo uma grave crise de sustentabilidade. Esse senário é consequência das mudanças climáticas desencadeadas pelo aumento de gases de efeito estufa na atmosfera.

Anteriormente eu escrevi dois artigos que podem te ajudar a entender um pouco sobre o tema. No primeiro, eu falo sobre as diferenças entre os conceitos de Tempo, Clima , Aquecimento Global e Mudanças Climáticas.   No segundo,  eu explico como ocorre o Aquecimento Global.

Mas, o mais importante, foi o anúncio feito em outubro do ano passado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo eles,  as temperaturas globais podem subir, em apenas 12 anos até o limite de perigo de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais. E, acima de tudo, chegamos a esse ponto por que nossos esforços em mitigação e adaptação não foram suficientes. Não conseguimos diminuir as emissões de gases de efeito estufa a um valor seguro. E, segundo os cientistas, o aquecimento global tem se acelerado nos últimos anos, confirmando as piores previsões feitas até então.

As evidências

Nos últimos tempos temos vivenciado uma série de evidências sobre isso. Nos últimos 30 anos, a taxa de elevação da temperatura média global foi duas vezes maior do que a média do período entre 1880 e 2017. Além disso, os 20 anos mais quentes desde que os registros começaram em 1850 foram nos últimos 22 anos. Ainda,  os últimos quatro anos foram os mais quentes já registrados. Como resultado, os oceanos aqueceram 40% mais rápido do que se pensava anteriormente. Da mesma forma,  a massa de gelo perdida na Antártida anualmente, foi seis vezes maior do que a média de 40anos atrás.  E mais,  desde 1950, o número de enchentes ao redor do mundo aumentou 15 vezes, os eventos de temperaturas extremas 20 vezes, e os incêndios florestais se tornaram sete vezes mais frequentes.

O que Greta nos mostra

A história de Greta me fez pensar em três pontos:

  • A carência que as pessoas têm por informações mais acessíveis e em linguagem simples sobre o tema;
  • A falta de empatia pelos mais vulneráveis e de uma postura assertiva por parte de governantes e formuladores de políticas públicas;
  • A vontade e a força da nova geração para encarar os problemas que comprometem seu futuro.

Eu concordo com a Greta! Se as pessoas tivessem a verdadeira noção da encrenca que nos metemos, certamente mudariam de atitude, inclusive se juntariam a esses jovens para exigir dos governantes medidas mais concretas pela justiça climática. Eu acredito que esse movimento juvenil pode ser o caminho para a tomada de consciência tanto dos formuladores de políticas públicas quanto da sociedade sobre a gravidade e urgência da questão.

Até o momento todos nós fomos omissos. Eu mesma me coloco nesse nessa situação. Eu tenho a consciência de que nós, cientistas, temos uma grande dificuldade em transmitir nosso conhecimento às pessoas (eu estou tentando mudar isso!). Mas nós lidamos no nosso dia a dia com tantos termos técnicos complicados que fica muito difícil traduzir a nossa fala para uma linguagem mais simples.

Além disso, por muito tempo houve um certo cuidado ao comunicar os avanços da ciência sobre as mudanças do clima.  A principal razão era de não provocar um ambiente de catástrofe entre as pessoas. Afinal, por muito tempo esse tema  esteve envolto em muitas incertezas.  Assim, as pessoas não tiveram interesse em saber mais sobre um tema tão complexos que é a mudança do clima.  Acabaram deixando para seus representantes políticos a responsabilidade de fazer algo.

Contudo, nós bem sabemos que as decisões políticas estão, muitas vezes, envoltas em interesses ocultos, orientados pelo poder e pelo dinheiro. Romper com esse sistema é uma tafera muito difícil!

Precisamos ser ousados

A história de Greta tem o seu maior valor na sua ousadia. Ela agiu segundo o seu entendimento, sem nenhuma noção das consequências de seus atos.  Ela se atreveu, de forma isolada e espontânea, a abrir a boca e gritar, do seu jeito, por aquilo que acreditava. E ela o fez sem grandes pretensões. Ela apenas percebeu que ninguém mais faria isso por ela.

Seu mutismo seletivo foi fantástico…abriu a boca por aquilo que realmente valeria a pena! Ela estudou, se informou e mais do que isso, extrapolou a sua realidade. Pensou naquelas pessoas que vivem em lugares de alto risco climático e que não tem qualquer infraestrutura de apoio, conhecimento ou condições financeiras para enfrentar os desafios que se avizinham. Ela assimilou rapidamente que os impactos das mudanças climáticas atingem pobres e ricos, indistintamente. Ela conseguiu imaginar como seria sua vida no futuro se continuarmos a viver como se nada estivesse acontecendo. Também entendeu que o tempo que ainda temos é curto para fazermos as mudanças necessárias para revertermos essa situação. Por isso temos que agir agora!

 A urgência por ações

É muito fácil nos pormos no lugar dela. Todos nós temos bem próximo de nós algumas crianças que amamos. Podem ser filhos, sobrinhos, netos ou afilhados que, em 2030 (daqui há 12 anos), estarão na flor da idade. Até mesmo eu tenho  minhas sobrinhas que terão menos de 25 anos nessa data.

As previsões sobre o futuro do clima não são boas. Se continuarmos nossa vida como vivemos até aqui, é bem provável que em pouco mais de uma década nós vejamos um mundo bem diferente do que estamos acostumados. Mais rápido do que imaginamos, as mudanças do clima podem provocar uma ruptura nos ecossistemas terrestres sem possibilidade de retorno. 

Por isso, precisamos olhar para as nossas crianças e imaginar as grandes dificuldades que elas terão que enfrentar no futuro. Recursos naturais cada vez mais escassos ou degradados, dificuldades de manter a subsistência e o aumento de eventos climáticos catastróficos podem por em xeque a segurança de todas elas.  Quem sabe assim, nós também assumimos a nossa parte, em uma batalha que ninguém vence sozinho. Ainda dá tempo… pelas previsões temos 12 anos para invertermos essa situação. Não será tarde demais se agirmos agora!

O acesso a quem decide

A Greta conseguiu sensibilizar os mais interessados em resolver essa questão… as crianças e adolescentes. Primeiro seu protesto silencioso ganhou voz. Logo, sua voz chegou à elite mundial que define os principais rumos que mundo adota. E ela não perdeu essa oportunidade de ouro. Soube ser perspicaz, quando no Fórum Econômico Mundial, onde bilionários e chefes de Estado exibiam seus jatinhos particulares, ela disse:

“algumas pessoas, algumas empresas e alguns tomadores de decisão em particular sabem exatamente quais valores inestimáveis têm sacrificado para continuar a fazer quantidades inimagináveis ​​de dinheiro… Eu acredito que muitos de vocês aqui hoje pertencem a esse grupo de pessoas.”

Assista aqui a sua fala em Davos! Ela também participou recentemente do TEDxTalks-Stockholm

 Um movimento que cresce

Com seu movimento #FridayForFuture, Greta foi a precursora de uma história que pode mudar nossas vidas. E seu exemplo está sendo replicado mundo afora. Assim como ela, outros jovens também ganharam voz para lutar por um mundo sustentável, livre das ameaças do clima. As maiores manifestações ocorreram na Europa e Austrália, com 70.000 mil jovens indo às ruas nas três primeiras semanas de janeiro. O destaque é para os 30.000 jovens que foram à rua em Bruxelas no dia 24 de janeiro.

A resistência

Até o momento, a postura dos governantes tem sido avessa às manifestações. Como exemplo, a primeira ministra britânica Teresa May repreendeu os jovens por não estarem na escola. Já a senadora americana Dianne Fernstein, da Califórnia, respondeu aos jovens dizendo: “Você não votou em mim” e “Eu sei o que estou fazendo.”

Entretanto, muitos manifestantes surpreenderam a mídia com seu sólido conhecimento sobre as mudanças do clima. Eu acredito que isso pode fazer uma grande diferença nessa luta, visto que a maioria da classe política e da mídia em geral ainda não compreendeu que as mudanças climáticas se tornaram uma urgência especialmente por que eles, os decisores, fizeram muito pouco por esse tema nos últimos 30 anos. Agora, os jovens encaram suas ações como uma questão de sobrevivência, e sabem que a solução do problema passa por mudanças transformadoras no modelo econômico vigente.

Porém, no futuro, são eles que vão tomar as decisões e governar o mundo. Quanto mais conscientes eles estiverem sobre os desafios a enfrentar e principalmente sobre as formas de minimizá-los, mais força eles terão para promover a mudança que nós adultos não fizemos… por comodidade, por descrença, por alta de informação e de conhecimento e, principalmente, por falta de vontade política.

Uma grande manifestação está marcada para o próximo dia 15 de março. Veja na figura as cidades que já tem atividades agendadas.

A nossa participação

Nossa tarefa agora é amplificar a fala desses jovens e reverberá-la para todos os cantos do planeta. Pelo menos dessa forma podemos despertar o interesse de mais pessoas sobre as mudanças do clima. Esses jovens já estão conscientes de que o mundo está mudando, o clima está mudando e nós temos que mudar também.

Vamos torcer para que esse grupo seja forte o suficiente para se organizar e resistir às tentativas de divisão e cooptação que certamente virão por aí.

Eu já estou fazendo a minha parte e, para contribuir com essa discussão, em algumas semanas, vou lançar um ebook que retrata a realidade climática atual. Acho importante que você tenha acesso,  em um único lugar, com uma linguagem  simples,   a tudo o que você precisa saber para entender os desafios que vem por aí e também as oportunidades que se abrem nesse cenário.

Se você tem interesse em saber mais, assine nossa lista que manteremos você informado!

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**As imagens que utilizei nesse artigo foram retiradas do site: https://www.fridaysforfuture.org

Adaptação e Mitigação: as respostas às mudanças climáticas

Adaptação e Mitigação: as respostas às mudanças climáticas

Atualmente metade dos habitantes do planeta vive em cidades e a perspectiva para os próximos 20 anos é que o número de habitantes urbanos subirá para cerca de cinco bilhões de pessoas. Se considerarmos que o ambiente urbano se constitui de um sistema dinâmico, à medida que as cidades crescem, vão se transformando em dimensão e forma. Sendo assim, diferentes formas de implantação e densidade, seja dispersa como Los Angeles, ou concentrada como Manhattan, podem definir diferentes impactos ambientais. Da mesma forma, a distribuição de setores residenciais, comerciais e industriais, associada aos padrões de oferta de transporte público podem ser determinantes para agravar o quadro das mudanças climáticas. Em muitos casos, com sistemas de transporte ineficientes e a multiplicação de edifícios com características inadequadas ao clima em que se inserem, muitas cidades, acabam por consumir enormes quantidades de combustíveis fósseis, emitindo altos níveis de gases de efeito estufa (GEE), causa principal das mudanças climáticas.

Nesse contexto, as mudanças climáticas representam uma ameaça ao equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. A crescente intensidade de seus efeitos prevista para as  próximas décadas exige  dos agentes de decisão uma resposta mais eficaz do que as estratégias de planejamento adotadas até agora.

Uma abordagem integrada para oferecer oportunidades de mitigação e adaptação às alterações climáticas pode ser o caminho, mas deve-se considerar que a natureza das decisões, na maioria dos casos, depende das dimensões:  econômica, institucional e ambiental, e da escala de suas ações. A adaptação e a mitigação geralmente têm diferentes escalas temporais e espaciais e, na maioria dos casos, esses fatores são relevantes para diferentes setores econômicos, de modo que seus  custos e  benefícios não se distribuem de forma homogênea.

Portanto, as ações de adaptação e mitigação diferem entre si em pelo menos três aspectos diferentes:

1) escala espacial e temporal;

2) a relação entre custos e benefícios;

3) a diversidade de atores e os tipos de políticas envolvidas.

Escala espacial das ações

As ações de adaptação e mitigação podem ser decididas e implantadas  na esfera global, nacional, regional, local ou até mesmo individual. Embora ambas as ações possam ser  implementadas no mesmo local ou em uma escala regional,  a mitigação tem benefícios globais, enquanto a adaptação se restringe apenas ao sistema impactado (local ou regional).

De qualquer forma, é fundamental combinar medidas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas globais com as medidas de mitigação local de fenômenos climáticos urbanos. É o caso das ilhas de calor, onde a concentração de edifícios em centros urbanos faz com que a temperatura da superfície e do ar se tornem mais elevadas do que a dos arredores próximos.

Uma estratégia urbana positiva nesse sentido é a ampliação, melhoria e diversificação de espaços verdes nas cidades, através do incremento no número de parques e praças, da promoção de arborização urbana e do incentivo ao cultivo de telhados e fachadas verdes. Os benefícios em termos de mitigação das AC em nível global são contabilizados para a redução de emissões de CO2 e, em nível local contribuem para a mitigação de Ilhas de calor.

Em termos de adaptação às mudanças climáticas, a presença de maior massa de vegetação no espaço urbano promove um aumento do conforto dos cidadãos pela geração de microclimas agradáveis, com benefícios adicionais quanto a biodiversidade e também a aspectos sociais e culturais da população. Outro benefício a ser considerado é a ampliação de áreas de infiltração da água.

Algumas cidades no mundo já adotaram medidas no sentido de aumentar, melhorar e diversificar seus espaços verdes: i)  Londres (Reino Unido) tem ampliado em número e áreas os espaços verdes da cidade; ii) Stuttgard (Alemanha) e Tóquio (Japão)  tem promovido a criação de telhados verdes; iii) Camden e Newark (Nova Jersey, EUA) estão preocupadas em intensificar a arborização de suas ruas.

Dimensão temporal

Os tempos entre a decisão, a implementação e as respostas à ação (mitigação e adaptação) variam muito. Os benefícios de atividades de mitigação realizadas hoje só serão evidencidos em algumas décadas devido a concentração histórica de GEE na atmosfera. Por outro lado, as medidas de adaptação podem ser evidenciadas imediatamente e render benefícios pela redução da vulnerabilidade de certas áreas à variação climática.

Uma estratégia a ser destacada nesse sentido está relacionada ao setor de transportes: políticas públicas de restrições de trânsito, melhoria no sistema de transporte público, promoção de partilha de carro, incentivo a redução de uso de veículos individuais e  de meios de transportes com base em combustíveis fósseis, têm um efeito de adaptação imediata sobre a diminuição da qualidade do ar devido à poluição e, ao mesmo tempo, contribuem significativamente para a mitigação através da diminuição das emissões de GEE.

Ações relacionadas a utilização de tranportes públicos e ao incentivo de deslocamentos individuais a pé ou de bicicleta podem ser observadas em muitas cidades da Europa: i) Helsínque (Finlândia) e Aveiro ( Portugal) tem programas específicos para diversificação de modos de transporte, valorizando a rede de  vias cicláveis;  ii) Roma (Itália), Londres ( Reino Unido) e Burgos (Espanha) procuraram reduzir o acesso de automóveis a àreas específicas da cidade; iii) Barcelona (Espanha)  tem iniciativas específicas para  promover a utilização de transportes públicos. As conquistas da população envolvida são percebidas imediatamente, com a melhoria do trânsito e a diminuição da poluição atmosférica, mas infelizmente, as conseqüências desses esforços para a mitigação não tem um prazo definido para acontecer.

No entanto, uma questão a salientar é a dificuldade de compatibilizar  as perspectivas temporais muito diferentes entre as decisões políticas, a vida útil das infra-estruturas e os cenários de alterações climáticas.

Custo e Benefício

Outra diferença entre mitigação e adaptação consiste na dificuldade em avaliar como custos e benefícios podem ser determinados, comparados e agregados.

A capacidade de adaptação e de mitigação depende da situação sócio-econômica, das circunstâncias ambientais, da disponibilidade de informações e de tecnologia. No entanto, sabe-se muito mais sobre os custos e a efetividade das medidas de  mitigação do que sobre as medidas de adaptação.

De qualquer modo, o sucesso dos investimentos em mitigação está associado ao benefício de desagravamento das mudanças climáticas. E, com redução da temperatura média  global, a necessidade de investimentos em adaptação será menor.

Para entender os custos de uma adaptação é preciso  olhar em um contexto maior. A adaptação é apenas uma parte da resposta global (e, portanto, dos custos) da mudança do clima.  Assim como a mitigação, a adaptação tem um custo associado, mas à medida que os efeitos das mudanças climáticas se agravam, os custos da falta de ação acabam por superar em muito  os custos de uma adaptação prévia.

O custo total das mudanças climáticas é composta por três elementos: os custos de mitigação (redução da extensão das mudanças climáticas), os custos de adaptação (reduzindo o impacto da mudança), e os impactes residuais que não podem ser mitigados nem adaptados.

Em princípio, a  mitigação das emissões de GEE irá diminuir os custos de adaptação no futuro. No entanto, mesmo se os esforços em estabilizar  as concentrações de gases de efeito estufa forem relativamente bem-sucedidos, um certo grau de aquecimento e alguns impactos relacionados continuarão  a ocorrer. Uma resposta eficaz às mudanças  climáticas em nível local deve combinar  a mitigação (para evitar o incontrolável) e  a adaptação (para gerir o inevitável​​).

Atores e Políticas

Tradicionalmente  as políticas climáticas tem sido entendidas como políticas energéticas e muito pouca atenção tem sido dada no sentido de melhorar os sumidouros do CO2 ou a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

As políticas de energia foram  o ponto de partida para a mitigação, porém ao longo das últimas décadas, as políticas climáticas  nacionais e internacionais criaram incentivos e oportunidades  para estimular atividades de mitigação também nos setores de florestas.

Em linhas gerais, nos países desenvolvidos, a mitigação envolve principalmente os setores de energia e de transportes, enquanto que nos países em desenvolvimento, além da energia, há uma preocupação com o setor de florestas e de agricultura.

Os atores envolvidos em ações de mitigação são limitados. Normalmente são bem organizados e  estão relacionados a estratégias nacionais e formuladores de políticas. As decisões de investimentos são tomadas para médio e longo prazo.

Em contraste, os atores envolvidos na adaptação abrangem uma larga gama de interesses setoriais. Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias de adaptação em sistemas urbanos torna-se um processo extremamente complexo e desafiador. Muitos atores são obrigados a trabalhar de forma colaborativa, bem como de forma independente.

A tabela 1 apresenta uma síntese entre as características de mitigação e adaptação

Tabela 1: Características de Mitigação e Adaptação

Mitigação Adaptação
Sistemas beneficiados Todos os sistemas Sistemas selecionados
Escala de esforços Global Local a regional
Duração Séculos Anos a Séculos
Prazo dos Resultados Décadas Imediatamente a décadas
Eficiência Certeza em termos de redução das emissões;

Não tão certo em termos de redução dos danos

Geralmente menos certezas (especialmente onde o conhecimento local de prováveis alterações relacionadas ao clima é fraco)
Benefícios auxiliares Algumas vezes Na maioria das vezes
Poluidor-pagador Tipicamente sim Não necessariamente
Benefícios do Pagador Somente uma parte Quase totalmente
Escala administrativa/organismos de execução Principalmente governos nacionais/ negociações internacionais Principalmente gestores locais/ autoridades, famílias e organizações comunitárias
Setores envolvidos Essencialmente energia e transporte em países desenvolvidos/ florestas e energia em países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento Potencialmente todos
Monitoramento Relativamente fácil Mais difícil, especialmente onde envolve adaptação que impede eventuais danos ocorridos

Fonte: Adaptado de Bicknell  et al, 2010, p.378.

SINERGIAS ENTRE ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO

Enquanto em alguns setores, o potencial de sinergia entre mitigação e adaptação é baixo,  outros setores (uso do solo, planejamento urbano e espacial, agricultura, florestas e água) são importantes tanto para mitigação quanto adaptação.

Está claro que nem adaptação ou mitigação sozinhas podem  evitar todos os impactos das mudanças climáticas. A adaptação é necessária, tanto no curto quanto no longo prazo para resolver impactes resultantes do aquecimento  global que ocorreria mesmo para os cenários de estabilização mais baixos. As barreiras, os limites e os custos não são completamente conhecidos, mas  a adaptação e a mitigação podem complementar-se e juntas reduzirem significativamente os riscos da mudança climática.

Tendo em conta as relações entre adaptação e mitigação , alguns aspectos devem ser considerados na ampliação da política climática:

(1) evitar os trade-offsna elaboração de políticas de mitigação ou adaptação;

(2) identificar possíveis sinergias;

(3) reforçar a capacidade de resposta;

(4) desenvolver  laços institucionais entre a adaptação e mitigação – por exemplo, nas instituições nacionais e nas negociações internacionais; e

(5) considerar a integração entre adaptação e mitigação nas  políticas de desenvolvimento sustentável.

Mas nem sempre os gestores públicos consideram uma questão política urgente as ações que  teoricamente garantem uma integração mais eficiente e menos dispendiosa entre as políticas de adaptação e de mitigação.

Ações de adaptação com conseqüências para a mitigação

Enquanto a mitigação se relaciona às causas das mudanças climáticas, a adaptação procura atuar minimizando seus impactos. Com relação à configuração urbana, determinadas características físicas da cidade favorecem muito mais a mitigação das mudanças climáticas do que a adaptação. Em alguns casos, a forma urbana em associação com um sistema eficiente de transporte coletivo favorece tanto  a mitigação quanto a adaptação.

Em regiões de clima seco, a resiliência da forma urbana para suportar altas temperaturas no verão sem o suporte de ar condicionado, requer que as edificações se concentrem próximas umas das outras, com objetivo de criar áreas sombreadas, ajudando a baixar a temperatura. Esse tipo de forma urbana contribui para a mitigação, pois estimula o uso de tranporte coletivo  e a diminuição do consumo de energia para refrigerar os ambientes.

Porém esse modelo urbano não se aplica em zonas quentes úmidas, onde  a relação entre altas temperaturas e umidade requer uma boa circulação de ar pelos ambientes para baixar a sensação témica. Nesses casos, é mais adequado permitir que a cidade tenha uma forma mais dispersa, com boas distâncias entre as edificações. A circulação de ar entre os ambientes baixa a sensação térmica e consequentemente,  diminui o uso de energia para condicionar os ambientes no verão. Mas essa forma de implantação  aumenta a extensão da área ocupada e isso tem influência direta sobre as decisões de transporte. O custo para promover um transporte público de qualidade é maior e em muitos casos os cidadãos preferem utilizar seus automóveis individuais, acarretando uma maior procura por combustíveis fósseis e o consequente aumento de emissões de GEE. Dessa forma, uma estratégia de adaptação local aos efeitos do aumento da temperatura global interfere diretamente sobre a mitigação, pois as soluções adotadas priorizam a adaptação em detrimento à mitigação.

Ações de mitigação com conseqüências para a adaptação

As ações mitigação podem afetar direta ou indiretamente as ações de adaptação. Em geral essas ações são decididas no âmbito de políticas globais e nacionais e estão relacionadas a redução de GEE. Sendo assim, implicam em mudanças de atitude frente ao consumo de energia baseada em combustíveis fósseis, o que é positivo.

O uso mais eficiente da energia e a opção pela adoção de fontes renováveis podem ser o ponto inicial para promover o desenvolvimento local de uma comunidade, sendo que na maioria dos casos não afeta negativamente as ações de adaptação.

Mas as metas de redução de GEE estabelecidas nas esferas superiores de governo exigem empenho e atenção por parte de governos locais no sentido de definir planos estratégicos específicos de manejo dos recursos disponíveis. Entre as medidas mais adotadas nos planos estratégicos são as políticas de gestão e ordenamento do território urbano, a regulamentação da construção, o fornecimento de energia, os transportes públicos e a gestão do espaço público, da água e dos resíduos.

Algumas metrópoles urbanas como Londres, Paris, Toronto e Chicago  investiram em estratégias  combinadas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas com abordagens integradas que equacionam esses múltiplos setores.

Enfrentar as medidas de mitigação para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e de adaptação aos impactos das mudanças climáticas, requer uma visão geral de novas práticas, com análise dos driversde mudança política e implementação efetiva de medidas adequadas.

A análise de problemas e oportunidades deve ocorrer em diferentes escalas espaciais, destacando a necessidade de ligar as respostas globais e locais de riscos e oportunidades comuns.

Como parte integral do desenvolvimento sustentável,  a adaptação e a mitigação estão fortemente interligadas, e ambas tem o mesmo propósito: reduzir os efeitos indesejados das mudanças climáticas. Pode-se dizer que a mitigação se concentra em reduzir suas causas e a adaptação tenta minimizar os efeitos que são percebidos pelo ser humano.

Até o momento as ações de mitigação receberam maior atenção, principalmente de países desenvolvidos, mas ações integradas já se fazem necessárias em muitas partes do planeta. Se a adaptação acontecer de forma preventiva, tanto por parte do setor privado como  público, os custos de investimentos serão com certeza menores.