Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?

Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?

Chega o fim da tarde e ela olha para o céu: lá vem chuva de novo! Desce um frio na coluna pois, pela cara do tempo, ela prevê como serão as próximas horas nas redondezas….pavor, destruição, sofrimento.  A água não tem dado trégua…quando vem, vem com intensidade e rapidamente. Isso não é nenhuma novidade por aqui, mas parece que as consequências são cada vez piores… casas destruídas; pessoas desalojadas, desaparecidas, feridas; muitos danos e prejuízos. No final, ela ouve desolada as avaliações simplistas das autoridades:

“Foi a força da natureza!”

Essa estórinha é uma constante em muitos municípios brasileiros.

Sim, é a natureza respondendo às agressões que sofreu nos últimos séculos. Durante muito tempo a humanidade quis usufruir mais e mais de seus avanços tecnológicos e o consumismo desenfreado aproveitou ao máximo os recursos naturais disponíveis. Agora sabemos quais as consequências de tudo isso…o clima está mudando!

No meio científico há um grande consenso sobre a ocorrência das mudanças do clima. Considera-se que elas são provocadas pelo aquecimento global, fruto do estilo de vida moderno que liberou em excesso no ar os gases de efeito estufa. Esses gases fazem com que o calor emitido pelo sol fique preso na atmosfera. Assim, a temperatura do ar aumenta, o regime de ventos e de chuvas se altera e o nível do mar sobe.

É claro que tudo isso tem reflexos devastadores sobre o homem, o ambiente construído e a natureza. Temos sentido os impactos literalmente na pele: secas prolongadas, chuvas intensas em curtos períodos de tempo, ondas de calor, poluição, tempestades, erosões costeiras e inundações. Com isso, o abastecimento de água e energia, a qualidade do ar e da água, as insfraestruturas urbanas, a produção de alimentos, o turismo, a indústria, a pesca, a segurança, o bem estar e a saúde das pessoas são gravemente afetadas gerando perdas ambientais, socias e econômicas.  Em maior ou menor grau, todos nós sofremos com isso. Depende apenas de onde moramos, das características biofísicas de nossa cidade, do quanto dependemos dos recursos naturais e das condições climáticas para nossa subsistência, mas principalmente das condições politicoinstitucionais locais que podem oferecer maiores ou menorescondições para que a comunidade local enfrente essas situações.

Entretudo, apesar da evolução científica nas últimas décadas relacionada às mudanças do clima, causas, consequências e respostas adequadas, a população em geral não consegue perceber os reflexos positivos desse avanço no seu cotidiano. E geralmente as comunidades mais vulneráveis são aquelas mais pobres e marginalizadas, que moram em bairros periféricos ou ocupações ilegais, desprovidas de infraestrutura e serviços urbanos de qualidade, e sem conhecimento e poder junto ao poder local para reinvidicar melhores condições.

Para preencher essa lacuna entre o que os cientistas sabem para facilitar e melhorar a vida das pessoas, e o que acontece na prática, é necessário uma atitude proativa de decisores e formuladores de políticas públicas, ou seja, dos governantes locais.

Está claro através de sucessivos desastres vivenciados por inúmeras comunidades brasileiras que não é mais possível adotar as mesmas soluções até então adotadas para enfrentar os desafios climáticos atuais.  Uma questão essencial é admitir que o clima está mudando e, principalmente, que temos que olhar mais para o futuro do que para o passado. Não basta apenas conhecer o histórico de desastres climáticos locais…é necessário associar a isso as novas tendências de cenários futuros. Essa não é uma tarefa fácil, implica em conhecimento especializado e multidisciplinar. Mas, para obtermos resultados diferentes, é necessário fazermos diferente. Isso exige vontade política, liderança, comprometimento e envolvimento da comunidade.

Em muitos municípios do país já existe um avanço enorme nessa área com a implementação de planos e medidas de gestão de riscos de desastres. As diretrizes de nossos Órgãos de Proteção e Defesa Civil são modernas e inovadoras. Elas acompanham as recomendações internacionais que têm como grande característica positiva, a mobilização comunitária. Mas infelizmente, nem tudo que está no papel é colocado em prática. No Brasil, a cultura da decisão centralizada ainda está muito arraigada na administração local: os governantes decidem e as outras partes interessadas não participam da decisão…o que é uma pena pois na busca por soluções, acaba-se por deixar de fora quem realmente vive o problema no dia a dia e conhece todas as suas demandas.

Porém a gestão de riscos de desastres é apenas parte da solução. Se o clima está mudando, não podemos pensar apenas em abordar eventos extremos, mas temos sim que encontrar formas de adaptar o nosso cotidiano a essa nova realidade climática. Um clima diferente daquele que sempre estivemos acostumados a viver nem sempre significa um prognóstico ruim. Conhecer a nossa realidade local (econômica, social e ambiental) e associá-la aos cenários climáticos futuros pode nos revelar novas oportunidades a serem exploradas. Um exemplo disso é o amplo crescimento nos últimos anos de empresas voltadas para a produção de energias limpas…elas protegem o ambiente, geram emprego, renda e garantem o bem estar da população a partir de fontes renováveis de energia. Talvez, se não tivessemos esse panorama de mudanças climáticas, onde um dos grandes vilões é o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, essa nova realidade cheia de grandes oportunidades não estaria acontecendo.

Entretanto, assim como as oportunidades que podem surgir, temos que estar atentos também às novas limitações e riscos que possamos enfrentar, sejam eles relacionados à saúde, segurança e bem estar das pessoas, a questões econômicas como a alteração na produção de determinados alimentos, a inviabilização de alguns investimentos, e ainda a questões ambientais como prejuizos à biodiversidade, entre outros.

Portanto, em um momento de clima em transição, quando falamos em adaptação às mudanças climáticas, temos que ter em mente três questões essenciais:

  • a mitigação, ou seja, adotar medidas para reduzir os impactos nocivos das mudanças climáticas;
  • a redução de riscos de desastres, através de medidas específicas em caso de ocorrência local de eventos climáticos extremos;
  • a adaptação à realidade climática em transição, com suas possíveis restrições e oportunidades.

Está na hora de nossos líderes assumirem que o clima está mudando muito mais rápido do que nossas respostas a isso. E que a principal abordagem para essa situação é promover o quanto antes iniciativas locais de adaptação “com” as mudanças do clima, processo esse que envolve todos as partes interessadas. Dessa forma será possível identificar adequadamente a dimensão do problema na realidade local, além de promover soluções criativas e de baixo custo, que podem ser implementadas de forma autônoma e independente pela própria comunidade. Esse envolvimento da comunidade é essencial, pois garante um respaldo político às decisões tomadas e uma maior eficiência das soluções adotadas.

Resiliência urbana em um panorama de mudanças climáticas

Resiliência urbana em um panorama de mudanças climáticas

Atualmente, a grande maioria da população mundial concentra-se em áreas urbanas e, à medida que as cidades crescem em tamanho e em importância, começam a apresentar uma série de problemas tanto de ordem social, quanto ambiental.

Nos últimos anos, a preocupação com o combate à pobreza, o crescimento populacional, o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente e os novos desafios da economia ganharam destaque de forma progressiva em todo o globo. As discussões sobre sustentabilidade passaram a fazer parte da agenda política da maioria dos governos na busca em conciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade cada vez mais óbvia de não destruir a própria base de recursos da qual o desenvolvimento depende.

O panorama das mudanças climáticas trouxe novos desafios na busca pela sustentabilidade, onde qualquer tipo de planejamento assume um grau de complexidade maior. O conhecimento dos efeitos das mudanças climáticas associado ao entendimento das vulnerabilidades locais são essenciais para aumentar a capacidade adaptativa das comunidades e consequentemente, criar resiliência.

Mudanças Climáticas e Cidades

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), principal organismo internacional sobre o assunto, prevê ainda neste século o aumento das temperaturas globais, com variações entre 1,8 e 4,0 graus. Com isso, confirma-se a probabilidade de eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas, inundações e furacões se tornarem cada vez mais freqüentes.

O  processo de urbanização intenso tem modificando rapidamente a dinâmica das cidades, com crescimento maior previsto especialmente nas regiões em desenvolvimento. Mais da metade da população mundial vive hoje a menos de 60 quilômetros do mar e três quartos de todas as grandes cidades estão localizadas em regiões costeiras, o que as torna particularmente vulneráveis aos eventos climáticos, como elevação do nível do mar, por exemplo. Além disso, a ONU prospecta para as cidades um futuro em que as temperaturas elevadas afetarão a saúde humana e a produtividade das plantações, intensificarão eventos naturais, como inundações, incêndios florestais e ciclones.

Mas os impactos das mudanças climáticas sobre a infra-estrutura física urbana, economia, saúde pública e segurança devem ser discutidos em função da vulnerabilidade de grupos ​​específicos, de acordo com localização geográfica, características climáticas e grau de exposição aos riscos.

As diferentes formas de urbanização, a fragilidade e as incapacidades dos governos locais e o desenvolvimento e expansão de cidades em áreas de risco são os principais fatores que aumentaram a vulnerabilidade às mudanças climáticas em áreas urbanas. Sendo assim, as cidades podem enfrentar dificuldades no fornecimento  dos serviços básicos aos seus habitantes, como o abastecimento de água, o fornecimento de energia, a indústria e os serviços em cidades em todo o mundo. Isso pode transtornar economias locais e populações, prejudicar os meios de subsistência, e em alguns casos, levar a migrações em massa. Tais impactos não são susceptíveis de ser uniformemente distribuídos, entre as regiões e cidades, em todos os setores da economia, ou entre grupos sócio-econômicos. Em vez disso, os impactos tendem a reforçar desigualdades existentes. Como resultado, as mudanças climáticas podem prejudicar o tecido social das cidades e exacerbar a pobreza.

As complexas interacções entre as forças sociais e naturais, atuando em escalas múltiplas do indivíduo e da comunidade podem gerar verdadeiros desastres. As políticas que visam uma resposta efetiva e de recuperação exigem uma compreensão destas forças de interacção. O sucesso desta equação depende basicamente da relação entre a vulnerabilidade e a capacidade de adaptação, ou seja, a capacidade de um sistema de ajustar-se às mudanças climáticas, incluindo a variabilidade do clima e os eventos extremos, de modo a moderar danos potenciais, lidar com as consequências ou obter vantagens de oportunidades.

Resiliência às mudanças climáticas

A resiliência refere-se à capacidade de um sistema em absorver perturbações e reorganizar-se, enquanto está sujeito a forças de mudança, sendo capaz de manter o essencial das suas funções, estrutura, identidade e mecanismos de funcionamento, ou seja, é a capacidade de uma comunidade ou sociedade para adaptar-se quando exposta a um perigo.

No contexto das mudanças climáticas a resiliência local é produto de governos, empresas, populações e indivíduos com forte capacidade adaptativa. Mas para manter funções essenciais face a ameaças perigosas e impactos, especialmente para populações vulneráveis, é preciso antecipar as mudanças climáticas e planejar a adaptação. Portanto, pode-se dizer que o que torna as comunidades resilientes é o conhecimento dos riscos e a disponibilidade das ferramentas e recursos para confrontar as ameaças. A resiliência de qualquer grupo populacional às mudanças climáticas interage com a sua resiliência a outras pressões dinâmicas, incluindo mudanças econômicas, conflitos e violência.

Mas de um modo geral, em comunidades de países pobres altamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, as administrações públicas são pouco participativas. As decisões são tomadas de forma vertical, de cima para baixo, e a burocracia e a falta de recursos acabam por retardar a colocação em prática das soluções necessárias.

Assim como desenvolver a sustentabilidade, criar resiliência é uma tarefa difícil e complexa. Não existe uma receita única. A literatura aponta algumas ações para aumentar a resiliência das comunidades:

  1. promover e sustentar a diversidade em todas as formas (biológica, da paisagem, social e econômica);
  2. abraçar e trabalhar com variabilidade ecológica (ao invés de tentar controlá-la ou reduzi-la);
  3. assegurar as características de modularidade do sistema cujos componentes não são necessariamente conectados todos entre si:
  4. ter uma política focada no lento controle de variáveis associadas a seus limites, de modo a que o próprio sistema possa absorver distúrbios que possam ser criados por outras ações;
  5. lutar para manter ou forçar feedbackspositivos;
  6. valorizar o capital social, promovendo confiança, redes sociais bem desenvolvidas e liderança, de modo a garantir a capacidade dos agentes envolvidos para modificar qualquer distúrbio;
  7. promover a inovação, dando ênfase para a aprendizagem, experimentação, desenvolvimento de regras locais e estímulo a mudança;
  8. ter instituições que incluam estruturas de governança, com propostas de diversidade e flexibilidade, sobreposição de direitos e um mixdos direitos de propriedade comum e privada:
  9. incluir nas propostas e avaliações em desenvolvimento todos os serviços de ecossistemas sem valor monetário.

A partir do exposto, é possível estabelecer algumas relações entre os conceitos de sustentabilidade e resiliência. Por um lado, identifica-se tanto no conceito de sustentabilidade quanto de resiliência, a necessidade de medidas de precaução no uso dos recursos naturais e sobre os riscos emergentes das mudanças climáticas, a prevenção de vulnerabilidades, e a promoção da integridade ecológica para o futuro. Da mesma forma, enquanto a sustentabilidade, expressa claramente o desejo persistente e equitativo de bem-estar a longo prazo, algumas de suas aspirações são capturadas na noção de resiliência (a capacidade a persistir e a capacidade de adaptar-se).

Por outro lado, enquanto a resiliência foca-se na habilidade de recuperação rápida de uma adversidade, se diferencia da sustentabilidade por esta ser pró-ativa, ou seja, focar-se não apenas na capacidade do sistema de simplesmente existir, mas sim de sobreviver e prosperar.

As respostas estratégicas para a variabilidade climática podem determinar a resiliência em um sistema sócio-ecológico. Essas respostas podem ser espontâneas ou deliberadas por políticas públicas e dependem basicamente do enquadramento que é dado ao problema, da estrutura de governança e da sensibilidade aos feedbacks. O elemento chave para o sucesso desse processo é a informação e o envolvimento da comunidade, e isso só vai ocorrer em instituições com uma boa governança que garanta um processo decentralizado, participativo e inclusivo, de modo a promover a autonomia, a transparência, a responsabilidade e a flexibilidade.

Dessa forma, a construção da resiliência às mudanças climáticas pode ser o caminho seguro para alcançar a sustentabilidade das comunidades.

 

Receba materiais exclusivos!

Adaptação e Mitigação: as respostas às mudanças climáticas

Adaptação e Mitigação: as respostas às mudanças climáticas

Atualmente metade dos habitantes do planeta vive em cidades e a perspectiva para os próximos 20 anos é que o número de habitantes urbanos subirá para cerca de cinco bilhões de pessoas. Se considerarmos que o ambiente urbano se constitui de um sistema dinâmico, à medida que as cidades crescem, vão se transformando em dimensão e forma. Sendo assim, diferentes formas de implantação e densidade, seja dispersa como Los Angeles, ou concentrada como Manhattan, podem definir diferentes impactos ambientais. Da mesma forma, a distribuição de setores residenciais, comerciais e industriais, associada aos padrões de oferta de transporte público podem ser determinantes para agravar o quadro das mudanças climáticas. Em muitos casos, com sistemas de transporte ineficientes e a multiplicação de edifícios com características inadequadas ao clima em que se inserem, muitas cidades, acabam por consumir enormes quantidades de combustíveis fósseis, emitindo altos níveis de gases de efeito estufa (GEE), causa principal das mudanças climáticas.

Nesse contexto, as mudanças climáticas representam uma ameaça ao equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. A crescente intensidade de seus efeitos prevista para as  próximas décadas exige  dos agentes de decisão uma resposta mais eficaz do que as estratégias de planejamento adotadas até agora.

Uma abordagem integrada para oferecer oportunidades de mitigação e adaptação às alterações climáticas pode ser o caminho, mas deve-se considerar que a natureza das decisões, na maioria dos casos, depende das dimensões:  econômica, institucional e ambiental, e da escala de suas ações. A adaptação e a mitigação geralmente têm diferentes escalas temporais e espaciais e, na maioria dos casos, esses fatores são relevantes para diferentes setores econômicos, de modo que seus  custos e  benefícios não se distribuem de forma homogênea.

Portanto, as ações de adaptação e mitigação diferem entre si em pelo menos três aspectos diferentes:

1) escala espacial e temporal;

2) a relação entre custos e benefícios;

3) a diversidade de atores e os tipos de políticas envolvidas.

Escala espacial das ações

As ações de adaptação e mitigação podem ser decididas e implantadas  na esfera global, nacional, regional, local ou até mesmo individual. Embora ambas as ações possam ser  implementadas no mesmo local ou em uma escala regional,  a mitigação tem benefícios globais, enquanto a adaptação se restringe apenas ao sistema impactado (local ou regional).

De qualquer forma, é fundamental combinar medidas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas globais com as medidas de mitigação local de fenômenos climáticos urbanos. É o caso das ilhas de calor, onde a concentração de edifícios em centros urbanos faz com que a temperatura da superfície e do ar se tornem mais elevadas do que a dos arredores próximos.

Uma estratégia urbana positiva nesse sentido é a ampliação, melhoria e diversificação de espaços verdes nas cidades, através do incremento no número de parques e praças, da promoção de arborização urbana e do incentivo ao cultivo de telhados e fachadas verdes. Os benefícios em termos de mitigação das AC em nível global são contabilizados para a redução de emissões de CO2 e, em nível local contribuem para a mitigação de Ilhas de calor.

Em termos de adaptação às mudanças climáticas, a presença de maior massa de vegetação no espaço urbano promove um aumento do conforto dos cidadãos pela geração de microclimas agradáveis, com benefícios adicionais quanto a biodiversidade e também a aspectos sociais e culturais da população. Outro benefício a ser considerado é a ampliação de áreas de infiltração da água.

Algumas cidades no mundo já adotaram medidas no sentido de aumentar, melhorar e diversificar seus espaços verdes: i)  Londres (Reino Unido) tem ampliado em número e áreas os espaços verdes da cidade; ii) Stuttgard (Alemanha) e Tóquio (Japão)  tem promovido a criação de telhados verdes; iii) Camden e Newark (Nova Jersey, EUA) estão preocupadas em intensificar a arborização de suas ruas.

Dimensão temporal

Os tempos entre a decisão, a implementação e as respostas à ação (mitigação e adaptação) variam muito. Os benefícios de atividades de mitigação realizadas hoje só serão evidencidos em algumas décadas devido a concentração histórica de GEE na atmosfera. Por outro lado, as medidas de adaptação podem ser evidenciadas imediatamente e render benefícios pela redução da vulnerabilidade de certas áreas à variação climática.

Uma estratégia a ser destacada nesse sentido está relacionada ao setor de transportes: políticas públicas de restrições de trânsito, melhoria no sistema de transporte público, promoção de partilha de carro, incentivo a redução de uso de veículos individuais e  de meios de transportes com base em combustíveis fósseis, têm um efeito de adaptação imediata sobre a diminuição da qualidade do ar devido à poluição e, ao mesmo tempo, contribuem significativamente para a mitigação através da diminuição das emissões de GEE.

Ações relacionadas a utilização de tranportes públicos e ao incentivo de deslocamentos individuais a pé ou de bicicleta podem ser observadas em muitas cidades da Europa: i) Helsínque (Finlândia) e Aveiro ( Portugal) tem programas específicos para diversificação de modos de transporte, valorizando a rede de  vias cicláveis;  ii) Roma (Itália), Londres ( Reino Unido) e Burgos (Espanha) procuraram reduzir o acesso de automóveis a àreas específicas da cidade; iii) Barcelona (Espanha)  tem iniciativas específicas para  promover a utilização de transportes públicos. As conquistas da população envolvida são percebidas imediatamente, com a melhoria do trânsito e a diminuição da poluição atmosférica, mas infelizmente, as conseqüências desses esforços para a mitigação não tem um prazo definido para acontecer.

No entanto, uma questão a salientar é a dificuldade de compatibilizar  as perspectivas temporais muito diferentes entre as decisões políticas, a vida útil das infra-estruturas e os cenários de alterações climáticas.

Custo e Benefício

Outra diferença entre mitigação e adaptação consiste na dificuldade em avaliar como custos e benefícios podem ser determinados, comparados e agregados.

A capacidade de adaptação e de mitigação depende da situação sócio-econômica, das circunstâncias ambientais, da disponibilidade de informações e de tecnologia. No entanto, sabe-se muito mais sobre os custos e a efetividade das medidas de  mitigação do que sobre as medidas de adaptação.

De qualquer modo, o sucesso dos investimentos em mitigação está associado ao benefício de desagravamento das mudanças climáticas. E, com redução da temperatura média  global, a necessidade de investimentos em adaptação será menor.

Para entender os custos de uma adaptação é preciso  olhar em um contexto maior. A adaptação é apenas uma parte da resposta global (e, portanto, dos custos) da mudança do clima.  Assim como a mitigação, a adaptação tem um custo associado, mas à medida que os efeitos das mudanças climáticas se agravam, os custos da falta de ação acabam por superar em muito  os custos de uma adaptação prévia.

O custo total das mudanças climáticas é composta por três elementos: os custos de mitigação (redução da extensão das mudanças climáticas), os custos de adaptação (reduzindo o impacto da mudança), e os impactes residuais que não podem ser mitigados nem adaptados.

Em princípio, a  mitigação das emissões de GEE irá diminuir os custos de adaptação no futuro. No entanto, mesmo se os esforços em estabilizar  as concentrações de gases de efeito estufa forem relativamente bem-sucedidos, um certo grau de aquecimento e alguns impactos relacionados continuarão  a ocorrer. Uma resposta eficaz às mudanças  climáticas em nível local deve combinar  a mitigação (para evitar o incontrolável) e  a adaptação (para gerir o inevitável​​).

Atores e Políticas

Tradicionalmente  as políticas climáticas tem sido entendidas como políticas energéticas e muito pouca atenção tem sido dada no sentido de melhorar os sumidouros do CO2 ou a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

As políticas de energia foram  o ponto de partida para a mitigação, porém ao longo das últimas décadas, as políticas climáticas  nacionais e internacionais criaram incentivos e oportunidades  para estimular atividades de mitigação também nos setores de florestas.

Em linhas gerais, nos países desenvolvidos, a mitigação envolve principalmente os setores de energia e de transportes, enquanto que nos países em desenvolvimento, além da energia, há uma preocupação com o setor de florestas e de agricultura.

Os atores envolvidos em ações de mitigação são limitados. Normalmente são bem organizados e  estão relacionados a estratégias nacionais e formuladores de políticas. As decisões de investimentos são tomadas para médio e longo prazo.

Em contraste, os atores envolvidos na adaptação abrangem uma larga gama de interesses setoriais. Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias de adaptação em sistemas urbanos torna-se um processo extremamente complexo e desafiador. Muitos atores são obrigados a trabalhar de forma colaborativa, bem como de forma independente.

A tabela 1 apresenta uma síntese entre as características de mitigação e adaptação

Tabela 1: Características de Mitigação e Adaptação

Mitigação Adaptação
Sistemas beneficiados Todos os sistemas Sistemas selecionados
Escala de esforços Global Local a regional
Duração Séculos Anos a Séculos
Prazo dos Resultados Décadas Imediatamente a décadas
Eficiência Certeza em termos de redução das emissões;

Não tão certo em termos de redução dos danos

Geralmente menos certezas (especialmente onde o conhecimento local de prováveis alterações relacionadas ao clima é fraco)
Benefícios auxiliares Algumas vezes Na maioria das vezes
Poluidor-pagador Tipicamente sim Não necessariamente
Benefícios do Pagador Somente uma parte Quase totalmente
Escala administrativa/organismos de execução Principalmente governos nacionais/ negociações internacionais Principalmente gestores locais/ autoridades, famílias e organizações comunitárias
Setores envolvidos Essencialmente energia e transporte em países desenvolvidos/ florestas e energia em países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento Potencialmente todos
Monitoramento Relativamente fácil Mais difícil, especialmente onde envolve adaptação que impede eventuais danos ocorridos

Fonte: Adaptado de Bicknell  et al, 2010, p.378.

SINERGIAS ENTRE ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO

Enquanto em alguns setores, o potencial de sinergia entre mitigação e adaptação é baixo,  outros setores (uso do solo, planejamento urbano e espacial, agricultura, florestas e água) são importantes tanto para mitigação quanto adaptação.

Está claro que nem adaptação ou mitigação sozinhas podem  evitar todos os impactos das mudanças climáticas. A adaptação é necessária, tanto no curto quanto no longo prazo para resolver impactes resultantes do aquecimento  global que ocorreria mesmo para os cenários de estabilização mais baixos. As barreiras, os limites e os custos não são completamente conhecidos, mas  a adaptação e a mitigação podem complementar-se e juntas reduzirem significativamente os riscos da mudança climática.

Tendo em conta as relações entre adaptação e mitigação , alguns aspectos devem ser considerados na ampliação da política climática:

(1) evitar os trade-offsna elaboração de políticas de mitigação ou adaptação;

(2) identificar possíveis sinergias;

(3) reforçar a capacidade de resposta;

(4) desenvolver  laços institucionais entre a adaptação e mitigação – por exemplo, nas instituições nacionais e nas negociações internacionais; e

(5) considerar a integração entre adaptação e mitigação nas  políticas de desenvolvimento sustentável.

Mas nem sempre os gestores públicos consideram uma questão política urgente as ações que  teoricamente garantem uma integração mais eficiente e menos dispendiosa entre as políticas de adaptação e de mitigação.

Ações de adaptação com conseqüências para a mitigação

Enquanto a mitigação se relaciona às causas das mudanças climáticas, a adaptação procura atuar minimizando seus impactos. Com relação à configuração urbana, determinadas características físicas da cidade favorecem muito mais a mitigação das mudanças climáticas do que a adaptação. Em alguns casos, a forma urbana em associação com um sistema eficiente de transporte coletivo favorece tanto  a mitigação quanto a adaptação.

Em regiões de clima seco, a resiliência da forma urbana para suportar altas temperaturas no verão sem o suporte de ar condicionado, requer que as edificações se concentrem próximas umas das outras, com objetivo de criar áreas sombreadas, ajudando a baixar a temperatura. Esse tipo de forma urbana contribui para a mitigação, pois estimula o uso de tranporte coletivo  e a diminuição do consumo de energia para refrigerar os ambientes.

Porém esse modelo urbano não se aplica em zonas quentes úmidas, onde  a relação entre altas temperaturas e umidade requer uma boa circulação de ar pelos ambientes para baixar a sensação témica. Nesses casos, é mais adequado permitir que a cidade tenha uma forma mais dispersa, com boas distâncias entre as edificações. A circulação de ar entre os ambientes baixa a sensação térmica e consequentemente,  diminui o uso de energia para condicionar os ambientes no verão. Mas essa forma de implantação  aumenta a extensão da área ocupada e isso tem influência direta sobre as decisões de transporte. O custo para promover um transporte público de qualidade é maior e em muitos casos os cidadãos preferem utilizar seus automóveis individuais, acarretando uma maior procura por combustíveis fósseis e o consequente aumento de emissões de GEE. Dessa forma, uma estratégia de adaptação local aos efeitos do aumento da temperatura global interfere diretamente sobre a mitigação, pois as soluções adotadas priorizam a adaptação em detrimento à mitigação.

Ações de mitigação com conseqüências para a adaptação

As ações mitigação podem afetar direta ou indiretamente as ações de adaptação. Em geral essas ações são decididas no âmbito de políticas globais e nacionais e estão relacionadas a redução de GEE. Sendo assim, implicam em mudanças de atitude frente ao consumo de energia baseada em combustíveis fósseis, o que é positivo.

O uso mais eficiente da energia e a opção pela adoção de fontes renováveis podem ser o ponto inicial para promover o desenvolvimento local de uma comunidade, sendo que na maioria dos casos não afeta negativamente as ações de adaptação.

Mas as metas de redução de GEE estabelecidas nas esferas superiores de governo exigem empenho e atenção por parte de governos locais no sentido de definir planos estratégicos específicos de manejo dos recursos disponíveis. Entre as medidas mais adotadas nos planos estratégicos são as políticas de gestão e ordenamento do território urbano, a regulamentação da construção, o fornecimento de energia, os transportes públicos e a gestão do espaço público, da água e dos resíduos.

Algumas metrópoles urbanas como Londres, Paris, Toronto e Chicago  investiram em estratégias  combinadas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas com abordagens integradas que equacionam esses múltiplos setores.

Enfrentar as medidas de mitigação para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e de adaptação aos impactos das mudanças climáticas, requer uma visão geral de novas práticas, com análise dos driversde mudança política e implementação efetiva de medidas adequadas.

A análise de problemas e oportunidades deve ocorrer em diferentes escalas espaciais, destacando a necessidade de ligar as respostas globais e locais de riscos e oportunidades comuns.

Como parte integral do desenvolvimento sustentável,  a adaptação e a mitigação estão fortemente interligadas, e ambas tem o mesmo propósito: reduzir os efeitos indesejados das mudanças climáticas. Pode-se dizer que a mitigação se concentra em reduzir suas causas e a adaptação tenta minimizar os efeitos que são percebidos pelo ser humano.

Até o momento as ações de mitigação receberam maior atenção, principalmente de países desenvolvidos, mas ações integradas já se fazem necessárias em muitas partes do planeta. Se a adaptação acontecer de forma preventiva, tanto por parte do setor privado como  público, os custos de investimentos serão com certeza menores.