A vulnerabilidade às mudanças climáticas e os desafios da adaptação

A vulnerabilidade às mudanças climáticas e os desafios da adaptação

Nos últimos anos, a vulnerabilidade às mudanças climáticas têm se tornado uma temática frequente. Nas mais diferentes partes do mundo, as pessoas  estão sendo confrontadas com a realidade das mudanças climáticas. As comunidades vulneráveis são as mais afetadas pois não possuem estratégias de enfrentamento eficazes para lidar com os desafios que enfrentam. Por isso,  os desafios da adaptação são enormes e exigem um conhecimento especializado sobre o tema. Já falamos sobre isso por aqui. 

O tamanho do desafio 

O Relatório de Impacto Humano das Mudanças Climáticas, denominado “A Anatomia de uma Crise Silenciosa”  apresentado em 2009 pelo Fórum Humanitário Global (organização internacional sem fins lucrativos com sede em Genebra, Suíça) apresenta números assustadores. O documento indica que a cada ano as mudanças climáticas deixam mais de 300.000 mortos. Além disso, 325 milhões de pessoas seriamente afetadas e perdas econômicas de 125 bilhões de dólares. Quatro bilhões de pessoas são vulneráveis, e 500 milhões de pessoas estão em risco extremo. 

A última edição do Índice Global de Risco Climático publicada nesse início de ano (2018) reúne dados de 1997 até 2016. o Índice  destaca o Haiti, o Zimbabwe e as Ilhas Fiji como países mais afetados por desastres relacionados ao clima no ano de 2016. Entretanto, Honduras, Mianmar e Haiti se classificam entre os primeiros na análise dos últimos 20 anos. Isso ocorre devido a uma sequência de eventos excepcionalmente devastadora, como o furacão Sandy no Haiti e o furacão Mitch em Honduras.

Porém, o pior deles foi o ciclone Nargis que atingiu Myanmar em 2008 . Ele foi responsável por uma perda estimada de 140 mil vidas, com aproximadamente 2,4 milhões de pessoas afetadas. Por outro lado, países como Filipinas, Nicarágua e Bangladesh são considerados os países mais críticos a ocorrência de desastres relacionados ao clima. Todos os anos, os tufões, tempestades tropicais, inundações e deslizamentos de terra os ameaçam, com um grande número de mortes e de pessoas afetadas.

A análise deste ano reconfirma os resultados anteriores do Índice de Risco Climático (IRC): os países menos desenvolvidos são geralmente mais afetados do que os países industrializados.

Em relação à mudança climática futura, o IRC pode servir como um sinal vermelho para a vulnerabilidade já existente.  Essa vulnerabilidade pode aumentar ainda mais em regiões onde os eventos extremos se tornarão mais frequentes ou mais graves. Entretanto nem todos os países dão afetados da mesma forma. Enquanto alguns países em desenvolvimento ​​são freqüentemente atingidos por eventos extremos, para outros, tais desastres são uma ocorrência rara.

 A situação no Brasil

No Brasil,  a edição de 2013 do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais  avalia as ocorrências  de desastres entre 1991 e 2012.  Apesar da crescente freqüência de secas em muitas regiões do país, os deslizamentos de terra representam, de longe, o tipo de desastre mais grave. Isso ocorre pois  esse tipo de desastre apresenta mais probabilidades de resultar em perda de vidas humanas.

Os danos dessas ocorrências podem ter grandes dimensões econômicas, ambientais e sociais. Em uma situação dessas pode provocar muitas consequencias. O bloqueio de rodovias  é uma delas, limitando  o movimento das pessoas e gerando problemas de abastecimento. Além disso,  a destruição da paisagem urbana torna as áreas atingidas mais vulneráveis ​​a novos eventos. Entretanto, o  mais grave,  é o soterramento  de áreas inteiras, enterrando casas  e provocando sofrimento e perdas humanas.

Inundações, enxurradas e deslizamentos de terra são relativamente freqüentes no Brasil, e geralmente ocorrem nas estações chuvosas. Segundo dados de 2014 do Ministério da Integração Nacional, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Santa Catarina são as regiões que mais sofrem com estes problemas. Infelizmente esses eventos aumentaram muito nos últimos anos devido ao crescimento não planejado das cidades. Outra causa é o mau uso das bacias hidrográficas, especialmente relacionado ao desmatamento. As populações mais afetadas são aquelas excluídas socialmente que, por falta de condições econômicas, ocupam áreas ambientalmente frágeis, como as encostas de morros, regiões costeiras, deltas do rio e áreas muito baixas baixas.

 Os desafios futuros

O Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) divulgado em 2014 apresenta para os próximos anos e décadas uma perspectiva adversa para pessoas e comunidades desfavorecidas, independentemente do nível de desenvolvimento do país. Segundo o relatório, as mudanças climáticas causarão impactos generalizados nos sistemas socioecológicos. Além disso, esses riscos serão ampliados, surgirão novos riscos e sua distribuição será desigual.

De acordo com o relatório “Entendendo a Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas”, divulgado em 2011 pela CARE Poverty Environment and Climate Change Network, um centro internacional de informações sobre Mudanças Climáticas e Resilência, as mudanças climáticas serão sentidas de forma desigual por diferentes comunidades e indivíduos, com base em suas características únicas.

E, embora o aquecimento global seja apontado como um fator que contribui para o aumento do número de desastres naturais, à medida que aumenta a freqüência e intensidade de grandes chuvas, as características biofísicas e as condições socioeconômicas locais são de grande importância nesta análise.

Além das condições geológicas e climáticas, existem processos externos que geralmente caracterizam os desastres naturais e contribuem indiretamente para a intensificação dos fenômenos. São principalmente aqueles processos induzidos por ações humanas, tais como as ocupações em áreas de risco, o desmatamento, e especialmente as omissões governamentais quanto a esses fatores.

O grande desafio é desenvolver estratégias de adaptação que levem em conta essas características específicas. Os impactos desproporcionados nessas comunidades estão muitas vezes ligados à pobreza e à falta de infraestrutura básica, o que, combinados com a falta de informação, podem limitar a capacidade de adaptação das pessoas.

Nesse sentido, existe uma necessidade urgente de examinar como as comunidades estão lidando com essa situação e que opções elas têm para aumentar autonomamente sua resiliência.

O conhecimento sobre o tema

A complexidade das mudanças climáticas dificulta em muito a abordagem do problema. Apesar dos estudos avançados sobre o assunto, ainda existem grandes lacunas de conhecimento a preencher e as surpresas diante de eventos extremos são inevitáveis, especialmente no que se refere às incertezas da natureza, da magnitude e da intensidade dos possíveis eventos, as especificidades locais e sua consequente vulnerabilidade.

Os estudos nos últimos anos sobre o tema “Adaptação” revelam que a confirmação sobre os futuros impactos das mudanças climáticas, com riscos ampliados para determinadas regiões promoveu um novo entendimento sobre o conceito de adaptação. Os estudiosos afirmam que a abordagem incremental da adaptação defendida nas últimas duas décadas especialmente pelo IPCC, pode não ser suficiente para enfrentar os desafios climáticos em comunidades vulneráveis. Essa abordagem baseia-se em intervenções técnicas pontuais e em programas de formação para minimizar os riscos associados a impactos climáticos específicos.

As novas abordagens da adaptação

Nos últimos anos, o meio científico tem apontado a necessidade de uma transição nos processos de adaptação às mudanças climáticas que adotem ações mais sistêmicas ou transformativas, com iniciativas que respondam às necessidades e aspirações das comunidades vulneráveis. Isso envolve mudanças na dinâmica e na estrutura dos sistemas, nas relações econômicas e sociais, bem como nas crenças e nos comportamentos individuais e de grupos.

Esse tipo de abordagem é muito importante em países em desenvolvimento, pois diluem os investimentos e aumento a capacidade adaptativa das comunidades a partir do conhecimento e da mudança de comportamentos que aumentam suas vulnerabilidades.

Essa transformação deve ocorrer em três áreas interligadas da vida urbana: na esfera prática, política e pessoal. A esfera prática envolve comportamentos e respostas técnicas que podem incluir inovações sociais e tecnológicas. A esfera política envolve sistemas e estruturas que apoiam as transformações na esfera prática. Por fim,  a esfera pessoal envolve crenças, valores, visões de mundo e paradigmas que determinam como os sistemas e as estruturas são entendidos, e quais os tipos de soluções a serem adotadas.

Tais situações demandam uma compreensão mais ampla dos fatores envolvidos nas causas da vulnerabilidade climática local e especialmente uma reflexão sobre a forma como os vários setores da sociedade se relacionam com o ambiente natural.

 

 

 

 

 

 

Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?

Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?

Chega o fim da tarde e ela olha para o céu: lá vem chuva de novo! Desce um frio na coluna pois, pela cara do tempo, ela prevê como serão as próximas horas nas redondezas….pavor, destruição, sofrimento.  A água não tem dado trégua…quando vem, vem com intensidade e rapidamente. Isso não é nenhuma novidade por aqui, mas parece que as consequências são cada vez piores… casas destruídas; pessoas desalojadas, desaparecidas, feridas; muitos danos e prejuízos. No final, ela ouve desolada as avaliações simplistas das autoridades:

“Foi a força da natureza!”

Essa estórinha é uma constante em muitos municípios brasileiros.

Sim, é a natureza respondendo às agressões que sofreu nos últimos séculos. Durante muito tempo a humanidade quis usufruir mais e mais de seus avanços tecnológicos e o consumismo desenfreado aproveitou ao máximo os recursos naturais disponíveis. Agora sabemos quais as consequências de tudo isso…o clima está mudando!

No meio científico há um grande consenso sobre a ocorrência das mudanças do clima. Considera-se que elas são provocadas pelo aquecimento global, fruto do estilo de vida moderno que liberou em excesso no ar os gases de efeito estufa. Esses gases fazem com que o calor emitido pelo sol fique preso na atmosfera. Assim, a temperatura do ar aumenta, o regime de ventos e de chuvas se altera e o nível do mar sobe.

É claro que tudo isso tem reflexos devastadores sobre o homem, o ambiente construído e a natureza. Temos sentido os impactos literalmente na pele: secas prolongadas, chuvas intensas em curtos períodos de tempo, ondas de calor, poluição, tempestades, erosões costeiras e inundações. Com isso, o abastecimento de água e energia, a qualidade do ar e da água, as insfraestruturas urbanas, a produção de alimentos, o turismo, a indústria, a pesca, a segurança, o bem estar e a saúde das pessoas são gravemente afetadas gerando perdas ambientais, socias e econômicas.  Em maior ou menor grau, todos nós sofremos com isso. Depende apenas de onde moramos, das características biofísicas de nossa cidade, do quanto dependemos dos recursos naturais e das condições climáticas para nossa subsistência, mas principalmente das condições politicoinstitucionais locais que podem oferecer maiores ou menorescondições para que a comunidade local enfrente essas situações.

Entretudo, apesar da evolução científica nas últimas décadas relacionada às mudanças do clima, causas, consequências e respostas adequadas, a população em geral não consegue perceber os reflexos positivos desse avanço no seu cotidiano. E geralmente as comunidades mais vulneráveis são aquelas mais pobres e marginalizadas, que moram em bairros periféricos ou ocupações ilegais, desprovidas de infraestrutura e serviços urbanos de qualidade, e sem conhecimento e poder junto ao poder local para reinvidicar melhores condições.

Para preencher essa lacuna entre o que os cientistas sabem para facilitar e melhorar a vida das pessoas, e o que acontece na prática, é necessário uma atitude proativa de decisores e formuladores de políticas públicas, ou seja, dos governantes locais.

Está claro através de sucessivos desastres vivenciados por inúmeras comunidades brasileiras que não é mais possível adotar as mesmas soluções até então adotadas para enfrentar os desafios climáticos atuais.  Uma questão essencial é admitir que o clima está mudando e, principalmente, que temos que olhar mais para o futuro do que para o passado. Não basta apenas conhecer o histórico de desastres climáticos locais…é necessário associar a isso as novas tendências de cenários futuros. Essa não é uma tarefa fácil, implica em conhecimento especializado e multidisciplinar. Mas, para obtermos resultados diferentes, é necessário fazermos diferente. Isso exige vontade política, liderança, comprometimento e envolvimento da comunidade.

Em muitos municípios do país já existe um avanço enorme nessa área com a implementação de planos e medidas de gestão de riscos de desastres. As diretrizes de nossos Órgãos de Proteção e Defesa Civil são modernas e inovadoras. Elas acompanham as recomendações internacionais que têm como grande característica positiva, a mobilização comunitária. Mas infelizmente, nem tudo que está no papel é colocado em prática. No Brasil, a cultura da decisão centralizada ainda está muito arraigada na administração local: os governantes decidem e as outras partes interessadas não participam da decisão…o que é uma pena pois na busca por soluções, acaba-se por deixar de fora quem realmente vive o problema no dia a dia e conhece todas as suas demandas.

Porém a gestão de riscos de desastres é apenas parte da solução. Se o clima está mudando, não podemos pensar apenas em abordar eventos extremos, mas temos sim que encontrar formas de adaptar o nosso cotidiano a essa nova realidade climática. Um clima diferente daquele que sempre estivemos acostumados a viver nem sempre significa um prognóstico ruim. Conhecer a nossa realidade local (econômica, social e ambiental) e associá-la aos cenários climáticos futuros pode nos revelar novas oportunidades a serem exploradas. Um exemplo disso é o amplo crescimento nos últimos anos de empresas voltadas para a produção de energias limpas…elas protegem o ambiente, geram emprego, renda e garantem o bem estar da população a partir de fontes renováveis de energia. Talvez, se não tivessemos esse panorama de mudanças climáticas, onde um dos grandes vilões é o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, essa nova realidade cheia de grandes oportunidades não estaria acontecendo.

Entretanto, assim como as oportunidades que podem surgir, temos que estar atentos também às novas limitações e riscos que possamos enfrentar, sejam eles relacionados à saúde, segurança e bem estar das pessoas, a questões econômicas como a alteração na produção de determinados alimentos, a inviabilização de alguns investimentos, e ainda a questões ambientais como prejuizos à biodiversidade, entre outros.

Portanto, em um momento de clima em transição, quando falamos em adaptação às mudanças climáticas, temos que ter em mente três questões essenciais:

  • a mitigação, ou seja, adotar medidas para reduzir os impactos nocivos das mudanças climáticas;
  • a redução de riscos de desastres, através de medidas específicas em caso de ocorrência local de eventos climáticos extremos;
  • a adaptação à realidade climática em transição, com suas possíveis restrições e oportunidades.

Está na hora de nossos líderes assumirem que o clima está mudando muito mais rápido do que nossas respostas a isso. E que a principal abordagem para essa situação é promover o quanto antes iniciativas locais de adaptação “com” as mudanças do clima, processo esse que envolve todos as partes interessadas. Dessa forma será possível identificar adequadamente a dimensão do problema na realidade local, além de promover soluções criativas e de baixo custo, que podem ser implementadas de forma autônoma e independente pela própria comunidade. Esse envolvimento da comunidade é essencial, pois garante um respaldo político às decisões tomadas e uma maior eficiência das soluções adotadas.

Adaptação e Mitigação: as respostas às mudanças climáticas

Adaptação e Mitigação: as respostas às mudanças climáticas

Atualmente metade dos habitantes do planeta vive em cidades e a perspectiva para os próximos 20 anos é que o número de habitantes urbanos subirá para cerca de cinco bilhões de pessoas. Se considerarmos que o ambiente urbano se constitui de um sistema dinâmico, à medida que as cidades crescem, vão se transformando em dimensão e forma. Sendo assim, diferentes formas de implantação e densidade, seja dispersa como Los Angeles, ou concentrada como Manhattan, podem definir diferentes impactos ambientais. Da mesma forma, a distribuição de setores residenciais, comerciais e industriais, associada aos padrões de oferta de transporte público podem ser determinantes para agravar o quadro das mudanças climáticas. Em muitos casos, com sistemas de transporte ineficientes e a multiplicação de edifícios com características inadequadas ao clima em que se inserem, muitas cidades, acabam por consumir enormes quantidades de combustíveis fósseis, emitindo altos níveis de gases de efeito estufa (GEE), causa principal das mudanças climáticas.

Nesse contexto, as mudanças climáticas representam uma ameaça ao equilíbrio dos sistemas urbanos em todo o mundo. A crescente intensidade de seus efeitos prevista para as  próximas décadas exige  dos agentes de decisão uma resposta mais eficaz do que as estratégias de planejamento adotadas até agora.

Uma abordagem integrada para oferecer oportunidades de mitigação e adaptação às alterações climáticas pode ser o caminho, mas deve-se considerar que a natureza das decisões, na maioria dos casos, depende das dimensões:  econômica, institucional e ambiental, e da escala de suas ações. A adaptação e a mitigação geralmente têm diferentes escalas temporais e espaciais e, na maioria dos casos, esses fatores são relevantes para diferentes setores econômicos, de modo que seus  custos e  benefícios não se distribuem de forma homogênea.

Portanto, as ações de adaptação e mitigação diferem entre si em pelo menos três aspectos diferentes:

1) escala espacial e temporal;

2) a relação entre custos e benefícios;

3) a diversidade de atores e os tipos de políticas envolvidas.

Escala espacial das ações

As ações de adaptação e mitigação podem ser decididas e implantadas  na esfera global, nacional, regional, local ou até mesmo individual. Embora ambas as ações possam ser  implementadas no mesmo local ou em uma escala regional,  a mitigação tem benefícios globais, enquanto a adaptação se restringe apenas ao sistema impactado (local ou regional).

De qualquer forma, é fundamental combinar medidas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas globais com as medidas de mitigação local de fenômenos climáticos urbanos. É o caso das ilhas de calor, onde a concentração de edifícios em centros urbanos faz com que a temperatura da superfície e do ar se tornem mais elevadas do que a dos arredores próximos.

Uma estratégia urbana positiva nesse sentido é a ampliação, melhoria e diversificação de espaços verdes nas cidades, através do incremento no número de parques e praças, da promoção de arborização urbana e do incentivo ao cultivo de telhados e fachadas verdes. Os benefícios em termos de mitigação das AC em nível global são contabilizados para a redução de emissões de CO2 e, em nível local contribuem para a mitigação de Ilhas de calor.

Em termos de adaptação às mudanças climáticas, a presença de maior massa de vegetação no espaço urbano promove um aumento do conforto dos cidadãos pela geração de microclimas agradáveis, com benefícios adicionais quanto a biodiversidade e também a aspectos sociais e culturais da população. Outro benefício a ser considerado é a ampliação de áreas de infiltração da água.

Algumas cidades no mundo já adotaram medidas no sentido de aumentar, melhorar e diversificar seus espaços verdes: i)  Londres (Reino Unido) tem ampliado em número e áreas os espaços verdes da cidade; ii) Stuttgard (Alemanha) e Tóquio (Japão)  tem promovido a criação de telhados verdes; iii) Camden e Newark (Nova Jersey, EUA) estão preocupadas em intensificar a arborização de suas ruas.

Dimensão temporal

Os tempos entre a decisão, a implementação e as respostas à ação (mitigação e adaptação) variam muito. Os benefícios de atividades de mitigação realizadas hoje só serão evidencidos em algumas décadas devido a concentração histórica de GEE na atmosfera. Por outro lado, as medidas de adaptação podem ser evidenciadas imediatamente e render benefícios pela redução da vulnerabilidade de certas áreas à variação climática.

Uma estratégia a ser destacada nesse sentido está relacionada ao setor de transportes: políticas públicas de restrições de trânsito, melhoria no sistema de transporte público, promoção de partilha de carro, incentivo a redução de uso de veículos individuais e  de meios de transportes com base em combustíveis fósseis, têm um efeito de adaptação imediata sobre a diminuição da qualidade do ar devido à poluição e, ao mesmo tempo, contribuem significativamente para a mitigação através da diminuição das emissões de GEE.

Ações relacionadas a utilização de tranportes públicos e ao incentivo de deslocamentos individuais a pé ou de bicicleta podem ser observadas em muitas cidades da Europa: i) Helsínque (Finlândia) e Aveiro ( Portugal) tem programas específicos para diversificação de modos de transporte, valorizando a rede de  vias cicláveis;  ii) Roma (Itália), Londres ( Reino Unido) e Burgos (Espanha) procuraram reduzir o acesso de automóveis a àreas específicas da cidade; iii) Barcelona (Espanha)  tem iniciativas específicas para  promover a utilização de transportes públicos. As conquistas da população envolvida são percebidas imediatamente, com a melhoria do trânsito e a diminuição da poluição atmosférica, mas infelizmente, as conseqüências desses esforços para a mitigação não tem um prazo definido para acontecer.

No entanto, uma questão a salientar é a dificuldade de compatibilizar  as perspectivas temporais muito diferentes entre as decisões políticas, a vida útil das infra-estruturas e os cenários de alterações climáticas.

Custo e Benefício

Outra diferença entre mitigação e adaptação consiste na dificuldade em avaliar como custos e benefícios podem ser determinados, comparados e agregados.

A capacidade de adaptação e de mitigação depende da situação sócio-econômica, das circunstâncias ambientais, da disponibilidade de informações e de tecnologia. No entanto, sabe-se muito mais sobre os custos e a efetividade das medidas de  mitigação do que sobre as medidas de adaptação.

De qualquer modo, o sucesso dos investimentos em mitigação está associado ao benefício de desagravamento das mudanças climáticas. E, com redução da temperatura média  global, a necessidade de investimentos em adaptação será menor.

Para entender os custos de uma adaptação é preciso  olhar em um contexto maior. A adaptação é apenas uma parte da resposta global (e, portanto, dos custos) da mudança do clima.  Assim como a mitigação, a adaptação tem um custo associado, mas à medida que os efeitos das mudanças climáticas se agravam, os custos da falta de ação acabam por superar em muito  os custos de uma adaptação prévia.

O custo total das mudanças climáticas é composta por três elementos: os custos de mitigação (redução da extensão das mudanças climáticas), os custos de adaptação (reduzindo o impacto da mudança), e os impactes residuais que não podem ser mitigados nem adaptados.

Em princípio, a  mitigação das emissões de GEE irá diminuir os custos de adaptação no futuro. No entanto, mesmo se os esforços em estabilizar  as concentrações de gases de efeito estufa forem relativamente bem-sucedidos, um certo grau de aquecimento e alguns impactos relacionados continuarão  a ocorrer. Uma resposta eficaz às mudanças  climáticas em nível local deve combinar  a mitigação (para evitar o incontrolável) e  a adaptação (para gerir o inevitável​​).

Atores e Políticas

Tradicionalmente  as políticas climáticas tem sido entendidas como políticas energéticas e muito pouca atenção tem sido dada no sentido de melhorar os sumidouros do CO2 ou a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

As políticas de energia foram  o ponto de partida para a mitigação, porém ao longo das últimas décadas, as políticas climáticas  nacionais e internacionais criaram incentivos e oportunidades  para estimular atividades de mitigação também nos setores de florestas.

Em linhas gerais, nos países desenvolvidos, a mitigação envolve principalmente os setores de energia e de transportes, enquanto que nos países em desenvolvimento, além da energia, há uma preocupação com o setor de florestas e de agricultura.

Os atores envolvidos em ações de mitigação são limitados. Normalmente são bem organizados e  estão relacionados a estratégias nacionais e formuladores de políticas. As decisões de investimentos são tomadas para médio e longo prazo.

Em contraste, os atores envolvidos na adaptação abrangem uma larga gama de interesses setoriais. Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias de adaptação em sistemas urbanos torna-se um processo extremamente complexo e desafiador. Muitos atores são obrigados a trabalhar de forma colaborativa, bem como de forma independente.

A tabela 1 apresenta uma síntese entre as características de mitigação e adaptação

Tabela 1: Características de Mitigação e Adaptação

Mitigação Adaptação
Sistemas beneficiados Todos os sistemas Sistemas selecionados
Escala de esforços Global Local a regional
Duração Séculos Anos a Séculos
Prazo dos Resultados Décadas Imediatamente a décadas
Eficiência Certeza em termos de redução das emissões;

Não tão certo em termos de redução dos danos

Geralmente menos certezas (especialmente onde o conhecimento local de prováveis alterações relacionadas ao clima é fraco)
Benefícios auxiliares Algumas vezes Na maioria das vezes
Poluidor-pagador Tipicamente sim Não necessariamente
Benefícios do Pagador Somente uma parte Quase totalmente
Escala administrativa/organismos de execução Principalmente governos nacionais/ negociações internacionais Principalmente gestores locais/ autoridades, famílias e organizações comunitárias
Setores envolvidos Essencialmente energia e transporte em países desenvolvidos/ florestas e energia em países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento Potencialmente todos
Monitoramento Relativamente fácil Mais difícil, especialmente onde envolve adaptação que impede eventuais danos ocorridos

Fonte: Adaptado de Bicknell  et al, 2010, p.378.

SINERGIAS ENTRE ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO

Enquanto em alguns setores, o potencial de sinergia entre mitigação e adaptação é baixo,  outros setores (uso do solo, planejamento urbano e espacial, agricultura, florestas e água) são importantes tanto para mitigação quanto adaptação.

Está claro que nem adaptação ou mitigação sozinhas podem  evitar todos os impactos das mudanças climáticas. A adaptação é necessária, tanto no curto quanto no longo prazo para resolver impactes resultantes do aquecimento  global que ocorreria mesmo para os cenários de estabilização mais baixos. As barreiras, os limites e os custos não são completamente conhecidos, mas  a adaptação e a mitigação podem complementar-se e juntas reduzirem significativamente os riscos da mudança climática.

Tendo em conta as relações entre adaptação e mitigação , alguns aspectos devem ser considerados na ampliação da política climática:

(1) evitar os trade-offsna elaboração de políticas de mitigação ou adaptação;

(2) identificar possíveis sinergias;

(3) reforçar a capacidade de resposta;

(4) desenvolver  laços institucionais entre a adaptação e mitigação – por exemplo, nas instituições nacionais e nas negociações internacionais; e

(5) considerar a integração entre adaptação e mitigação nas  políticas de desenvolvimento sustentável.

Mas nem sempre os gestores públicos consideram uma questão política urgente as ações que  teoricamente garantem uma integração mais eficiente e menos dispendiosa entre as políticas de adaptação e de mitigação.

Ações de adaptação com conseqüências para a mitigação

Enquanto a mitigação se relaciona às causas das mudanças climáticas, a adaptação procura atuar minimizando seus impactos. Com relação à configuração urbana, determinadas características físicas da cidade favorecem muito mais a mitigação das mudanças climáticas do que a adaptação. Em alguns casos, a forma urbana em associação com um sistema eficiente de transporte coletivo favorece tanto  a mitigação quanto a adaptação.

Em regiões de clima seco, a resiliência da forma urbana para suportar altas temperaturas no verão sem o suporte de ar condicionado, requer que as edificações se concentrem próximas umas das outras, com objetivo de criar áreas sombreadas, ajudando a baixar a temperatura. Esse tipo de forma urbana contribui para a mitigação, pois estimula o uso de tranporte coletivo  e a diminuição do consumo de energia para refrigerar os ambientes.

Porém esse modelo urbano não se aplica em zonas quentes úmidas, onde  a relação entre altas temperaturas e umidade requer uma boa circulação de ar pelos ambientes para baixar a sensação témica. Nesses casos, é mais adequado permitir que a cidade tenha uma forma mais dispersa, com boas distâncias entre as edificações. A circulação de ar entre os ambientes baixa a sensação térmica e consequentemente,  diminui o uso de energia para condicionar os ambientes no verão. Mas essa forma de implantação  aumenta a extensão da área ocupada e isso tem influência direta sobre as decisões de transporte. O custo para promover um transporte público de qualidade é maior e em muitos casos os cidadãos preferem utilizar seus automóveis individuais, acarretando uma maior procura por combustíveis fósseis e o consequente aumento de emissões de GEE. Dessa forma, uma estratégia de adaptação local aos efeitos do aumento da temperatura global interfere diretamente sobre a mitigação, pois as soluções adotadas priorizam a adaptação em detrimento à mitigação.

Ações de mitigação com conseqüências para a adaptação

As ações mitigação podem afetar direta ou indiretamente as ações de adaptação. Em geral essas ações são decididas no âmbito de políticas globais e nacionais e estão relacionadas a redução de GEE. Sendo assim, implicam em mudanças de atitude frente ao consumo de energia baseada em combustíveis fósseis, o que é positivo.

O uso mais eficiente da energia e a opção pela adoção de fontes renováveis podem ser o ponto inicial para promover o desenvolvimento local de uma comunidade, sendo que na maioria dos casos não afeta negativamente as ações de adaptação.

Mas as metas de redução de GEE estabelecidas nas esferas superiores de governo exigem empenho e atenção por parte de governos locais no sentido de definir planos estratégicos específicos de manejo dos recursos disponíveis. Entre as medidas mais adotadas nos planos estratégicos são as políticas de gestão e ordenamento do território urbano, a regulamentação da construção, o fornecimento de energia, os transportes públicos e a gestão do espaço público, da água e dos resíduos.

Algumas metrópoles urbanas como Londres, Paris, Toronto e Chicago  investiram em estratégias  combinadas de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas com abordagens integradas que equacionam esses múltiplos setores.

Enfrentar as medidas de mitigação para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e de adaptação aos impactos das mudanças climáticas, requer uma visão geral de novas práticas, com análise dos driversde mudança política e implementação efetiva de medidas adequadas.

A análise de problemas e oportunidades deve ocorrer em diferentes escalas espaciais, destacando a necessidade de ligar as respostas globais e locais de riscos e oportunidades comuns.

Como parte integral do desenvolvimento sustentável,  a adaptação e a mitigação estão fortemente interligadas, e ambas tem o mesmo propósito: reduzir os efeitos indesejados das mudanças climáticas. Pode-se dizer que a mitigação se concentra em reduzir suas causas e a adaptação tenta minimizar os efeitos que são percebidos pelo ser humano.

Até o momento as ações de mitigação receberam maior atenção, principalmente de países desenvolvidos, mas ações integradas já se fazem necessárias em muitas partes do planeta. Se a adaptação acontecer de forma preventiva, tanto por parte do setor privado como  público, os custos de investimentos serão com certeza menores.