
Até quando nossos líderes irão ignorar as mudanças do clima?
Chega o fim da tarde e ela olha para o céu: lá vem chuva de novo! Desce um frio na coluna pois, pela cara do tempo, ela prevê como serão as próximas horas nas redondezas….pavor, destruição, sofrimento. A água não tem dado trégua…quando vem, vem com intensidade e rapidamente. Isso não é nenhuma novidade por aqui, mas parece que as consequências são cada vez piores… casas destruídas; pessoas desalojadas, desaparecidas, feridas; muitos danos e prejuízos. No final, ela ouve desolada as avaliações simplistas das autoridades:
“Foi a força da natureza!”
Essa estórinha é uma constante em muitos municípios brasileiros.
Sim, é a natureza respondendo às agressões que sofreu nos últimos séculos. Durante muito tempo a humanidade quis usufruir mais e mais de seus avanços tecnológicos e o consumismo desenfreado aproveitou ao máximo os recursos naturais disponíveis. Agora sabemos quais as consequências de tudo isso…o clima está mudando!
No meio científico há um grande consenso sobre a ocorrência das mudanças do clima. Considera-se que elas são provocadas pelo aquecimento global, fruto do estilo de vida moderno que liberou em excesso no ar os gases de efeito estufa. Esses gases fazem com que o calor emitido pelo sol fique preso na atmosfera. Assim, a temperatura do ar aumenta, o regime de ventos e de chuvas se altera e o nível do mar sobe.
É claro que tudo isso tem reflexos devastadores sobre o homem, o ambiente construído e a natureza. Temos sentido os impactos literalmente na pele: secas prolongadas, chuvas intensas em curtos períodos de tempo, ondas de calor, poluição, tempestades, erosões costeiras e inundações. Com isso, o abastecimento de água e energia, a qualidade do ar e da água, as insfraestruturas urbanas, a produção de alimentos, o turismo, a indústria, a pesca, a segurança, o bem estar e a saúde das pessoas são gravemente afetadas gerando perdas ambientais, socias e econômicas. Em maior ou menor grau, todos nós sofremos com isso. Depende apenas de onde moramos, das características biofísicas de nossa cidade, do quanto dependemos dos recursos naturais e das condições climáticas para nossa subsistência, mas principalmente das condições politicoinstitucionais locais que podem oferecer maiores ou menorescondições para que a comunidade local enfrente essas situações.
Entretudo, apesar da evolução científica nas últimas décadas relacionada às mudanças do clima, causas, consequências e respostas adequadas, a população em geral não consegue perceber os reflexos positivos desse avanço no seu cotidiano. E geralmente as comunidades mais vulneráveis são aquelas mais pobres e marginalizadas, que moram em bairros periféricos ou ocupações ilegais, desprovidas de infraestrutura e serviços urbanos de qualidade, e sem conhecimento e poder junto ao poder local para reinvidicar melhores condições.
Para preencher essa lacuna entre o que os cientistas sabem para facilitar e melhorar a vida das pessoas, e o que acontece na prática, é necessário uma atitude proativa de decisores e formuladores de políticas públicas, ou seja, dos governantes locais.
Está claro através de sucessivos desastres vivenciados por inúmeras comunidades brasileiras que não é mais possível adotar as mesmas soluções até então adotadas para enfrentar os desafios climáticos atuais. Uma questão essencial é admitir que o clima está mudando e, principalmente, que temos que olhar mais para o futuro do que para o passado. Não basta apenas conhecer o histórico de desastres climáticos locais…é necessário associar a isso as novas tendências de cenários futuros. Essa não é uma tarefa fácil, implica em conhecimento especializado e multidisciplinar. Mas, para obtermos resultados diferentes, é necessário fazermos diferente. Isso exige vontade política, liderança, comprometimento e envolvimento da comunidade.
Em muitos municípios do país já existe um avanço enorme nessa área com a implementação de planos e medidas de gestão de riscos de desastres. As diretrizes de nossos Órgãos de Proteção e Defesa Civil são modernas e inovadoras. Elas acompanham as recomendações internacionais que têm como grande característica positiva, a mobilização comunitária. Mas infelizmente, nem tudo que está no papel é colocado em prática. No Brasil, a cultura da decisão centralizada ainda está muito arraigada na administração local: os governantes decidem e as outras partes interessadas não participam da decisão…o que é uma pena pois na busca por soluções, acaba-se por deixar de fora quem realmente vive o problema no dia a dia e conhece todas as suas demandas.
Porém a gestão de riscos de desastres é apenas parte da solução. Se o clima está mudando, não podemos pensar apenas em abordar eventos extremos, mas temos sim que encontrar formas de adaptar o nosso cotidiano a essa nova realidade climática. Um clima diferente daquele que sempre estivemos acostumados a viver nem sempre significa um prognóstico ruim. Conhecer a nossa realidade local (econômica, social e ambiental) e associá-la aos cenários climáticos futuros pode nos revelar novas oportunidades a serem exploradas. Um exemplo disso é o amplo crescimento nos últimos anos de empresas voltadas para a produção de energias limpas…elas protegem o ambiente, geram emprego, renda e garantem o bem estar da população a partir de fontes renováveis de energia. Talvez, se não tivessemos esse panorama de mudanças climáticas, onde um dos grandes vilões é o uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, essa nova realidade cheia de grandes oportunidades não estaria acontecendo.
Entretanto, assim como as oportunidades que podem surgir, temos que estar atentos também às novas limitações e riscos que possamos enfrentar, sejam eles relacionados à saúde, segurança e bem estar das pessoas, a questões econômicas como a alteração na produção de determinados alimentos, a inviabilização de alguns investimentos, e ainda a questões ambientais como prejuizos à biodiversidade, entre outros.
Portanto, em um momento de clima em transição, quando falamos em adaptação às mudanças climáticas, temos que ter em mente três questões essenciais:
- a mitigação, ou seja, adotar medidas para reduzir os impactos nocivos das mudanças climáticas;
- a redução de riscos de desastres, através de medidas específicas em caso de ocorrência local de eventos climáticos extremos;
- a adaptação à realidade climática em transição, com suas possíveis restrições e oportunidades.
Está na hora de nossos líderes assumirem que o clima está mudando muito mais rápido do que nossas respostas a isso. E que a principal abordagem para essa situação é promover o quanto antes iniciativas locais de adaptação “com” as mudanças do clima, processo esse que envolve todos as partes interessadas. Dessa forma será possível identificar adequadamente a dimensão do problema na realidade local, além de promover soluções criativas e de baixo custo, que podem ser implementadas de forma autônoma e independente pela própria comunidade. Esse envolvimento da comunidade é essencial, pois garante um respaldo político às decisões tomadas e uma maior eficiência das soluções adotadas.