
Resiliência urbana em um panorama de mudanças climáticas
Nos últimos anos, a preocupação com o combate à pobreza, o crescimento populacional, o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente e os novos desafios da economia ganharam destaque de forma progressiva em todo o globo. As discussões sobre sustentabilidade passaram a fazer parte da agenda política da maioria dos governos na busca em conciliar o desenvolvimento econômico com a necessidade cada vez mais óbvia de não destruir a própria base de recursos da qual o desenvolvimento depende.
O panorama das mudanças climáticas trouxe novos desafios na busca pela sustentabilidade, onde qualquer tipo de planejamento assume um grau de complexidade maior. O conhecimento dos efeitos das mudanças climáticas associado ao entendimento das vulnerabilidades locais são essenciais para aumentar a capacidade adaptativa das comunidades e consequentemente, criar resiliência.
Mudanças Climáticas e Cidades
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), principal organismo internacional sobre o assunto, prevê ainda neste século o aumento das temperaturas globais, com variações entre 1,8 e 4,0 graus. Com isso, confirma-se a probabilidade de eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas, inundações e furacões se tornarem cada vez mais freqüentes.
O processo de urbanização intenso tem modificando rapidamente a dinâmica das cidades, com crescimento maior previsto especialmente nas regiões em desenvolvimento. Mais da metade da população mundial vive hoje a menos de 60 quilômetros do mar e três quartos de todas as grandes cidades estão localizadas em regiões costeiras, o que as torna particularmente vulneráveis aos eventos climáticos, como elevação do nível do mar, por exemplo. Além disso, a ONU prospecta para as cidades um futuro em que as temperaturas elevadas afetarão a saúde humana e a produtividade das plantações, intensificarão eventos naturais, como inundações, incêndios florestais e ciclones.
Mas os impactos das mudanças climáticas sobre a infra-estrutura física urbana, economia, saúde pública e segurança devem ser discutidos em função da vulnerabilidade de grupos específicos, de acordo com localização geográfica, características climáticas e grau de exposição aos riscos.
As diferentes formas de urbanização, a fragilidade e as incapacidades dos governos locais e o desenvolvimento e expansão de cidades em áreas de risco são os principais fatores que aumentaram a vulnerabilidade às mudanças climáticas em áreas urbanas. Sendo assim, as cidades podem enfrentar dificuldades no fornecimento dos serviços básicos aos seus habitantes, como o abastecimento de água, o fornecimento de energia, a indústria e os serviços em cidades em todo o mundo. Isso pode transtornar economias locais e populações, prejudicar os meios de subsistência, e em alguns casos, levar a migrações em massa. Tais impactos não são susceptíveis de ser uniformemente distribuídos, entre as regiões e cidades, em todos os setores da economia, ou entre grupos sócio-econômicos. Em vez disso, os impactos tendem a reforçar desigualdades existentes. Como resultado, as mudanças climáticas podem prejudicar o tecido social das cidades e exacerbar a pobreza.
As complexas interacções entre as forças sociais e naturais, atuando em escalas múltiplas do indivíduo e da comunidade podem gerar verdadeiros desastres. As políticas que visam uma resposta efetiva e de recuperação exigem uma compreensão destas forças de interacção. O sucesso desta equação depende basicamente da relação entre a vulnerabilidade e a capacidade de adaptação, ou seja, a capacidade de um sistema de ajustar-se às mudanças climáticas, incluindo a variabilidade do clima e os eventos extremos, de modo a moderar danos potenciais, lidar com as consequências ou obter vantagens de oportunidades.
Resiliência às mudanças climáticas
A resiliência refere-se à capacidade de um sistema em absorver perturbações e reorganizar-se, enquanto está sujeito a forças de mudança, sendo capaz de manter o essencial das suas funções, estrutura, identidade e mecanismos de funcionamento, ou seja, é a capacidade de uma comunidade ou sociedade para adaptar-se quando exposta a um perigo.
No contexto das mudanças climáticas a resiliência local é produto de governos, empresas, populações e indivíduos com forte capacidade adaptativa. Mas para manter funções essenciais face a ameaças perigosas e impactos, especialmente para populações vulneráveis, é preciso antecipar as mudanças climáticas e planejar a adaptação. Portanto, pode-se dizer que o que torna as comunidades resilientes é o conhecimento dos riscos e a disponibilidade das ferramentas e recursos para confrontar as ameaças. A resiliência de qualquer grupo populacional às mudanças climáticas interage com a sua resiliência a outras pressões dinâmicas, incluindo mudanças econômicas, conflitos e violência.
Mas de um modo geral, em comunidades de países pobres altamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, as administrações públicas são pouco participativas. As decisões são tomadas de forma vertical, de cima para baixo, e a burocracia e a falta de recursos acabam por retardar a colocação em prática das soluções necessárias.
Assim como desenvolver a sustentabilidade, criar resiliência é uma tarefa difícil e complexa. Não existe uma receita única. A literatura aponta algumas ações para aumentar a resiliência das comunidades:
- promover e sustentar a diversidade em todas as formas (biológica, da paisagem, social e econômica);
- abraçar e trabalhar com variabilidade ecológica (ao invés de tentar controlá-la ou reduzi-la);
- assegurar as características de modularidade do sistema cujos componentes não são necessariamente conectados todos entre si:
- ter uma política focada no lento controle de variáveis associadas a seus limites, de modo a que o próprio sistema possa absorver distúrbios que possam ser criados por outras ações;
- lutar para manter ou forçar feedbackspositivos;
- valorizar o capital social, promovendo confiança, redes sociais bem desenvolvidas e liderança, de modo a garantir a capacidade dos agentes envolvidos para modificar qualquer distúrbio;
- promover a inovação, dando ênfase para a aprendizagem, experimentação, desenvolvimento de regras locais e estímulo a mudança;
- ter instituições que incluam estruturas de governança, com propostas de diversidade e flexibilidade, sobreposição de direitos e um mixdos direitos de propriedade comum e privada:
- incluir nas propostas e avaliações em desenvolvimento todos os serviços de ecossistemas sem valor monetário.
A partir do exposto, é possível estabelecer algumas relações entre os conceitos de sustentabilidade e resiliência. Por um lado, identifica-se tanto no conceito de sustentabilidade quanto de resiliência, a necessidade de medidas de precaução no uso dos recursos naturais e sobre os riscos emergentes das mudanças climáticas, a prevenção de vulnerabilidades, e a promoção da integridade ecológica para o futuro. Da mesma forma, enquanto a sustentabilidade, expressa claramente o desejo persistente e equitativo de bem-estar a longo prazo, algumas de suas aspirações são capturadas na noção de resiliência (a capacidade a persistir e a capacidade de adaptar-se).
Por outro lado, enquanto a resiliência foca-se na habilidade de recuperação rápida de uma adversidade, se diferencia da sustentabilidade por esta ser pró-ativa, ou seja, focar-se não apenas na capacidade do sistema de simplesmente existir, mas sim de sobreviver e prosperar.
As respostas estratégicas para a variabilidade climática podem determinar a resiliência em um sistema sócio-ecológico. Essas respostas podem ser espontâneas ou deliberadas por políticas públicas e dependem basicamente do enquadramento que é dado ao problema, da estrutura de governança e da sensibilidade aos feedbacks. O elemento chave para o sucesso desse processo é a informação e o envolvimento da comunidade, e isso só vai ocorrer em instituições com uma boa governança que garanta um processo decentralizado, participativo e inclusivo, de modo a promover a autonomia, a transparência, a responsabilidade e a flexibilidade.
Dessa forma, a construção da resiliência às mudanças climáticas pode ser o caminho seguro para alcançar a sustentabilidade das comunidades.