Diante das duras previsões climáticas para os próximos anos e décadas, quais as opções que temos para minimizar as mudanças em curso e adaptar a nossa forma de viver? Além disso, de quem são as responsabilidades de adaptação?
Durante mais de 20 anos ouvirmos falar nas mudanças climáticas. Mas, por muito tempo preferimos ignorar os estudos científicos, duvidar de sua veracidade. Resumindo, optamos por não tomar atitude nenhuma. Em outras palavras, já que esta é uma questão global, “da humanidade”, que os “outros” resolvam!
Posteriormente percebemos que não fazer nada, não é uma resposta, e sim uma fuga do problema!
O que vamos abordar aqui
Em nosso artigo anterior, abordamos os desafios que a mudança do clima nos apresentam.
Nesse artigo, primeiramente vou abordar as respostas possíveis à essa situação. Posteriormente, vou discutir como o mundo deve ver a adaptação às mudanças climáticas. Além disso, vou discutir as responsabilidades de adaptação nas diferentes escalas do poder público. Por fim, vou citar alguns exemplos de medidas que estão sendo adotadas em diferentes locais do mundo e que portanto, podem nos auxiliar a enfrentar as consequências de um clima diferente.
As possíveis respostas
Para identificarmos as possíveis respostas à crise climática, devemos ter em mente de que a mudança climática é verdadeiramente uma questão global. Ou seja: independentemente de onde os gases de efeito estufa (GEE) são emitidos, eles se distribuem pela atmosfera como um todo. Como resultado, as suas consequências serão sentidas por todos indistintamente. Contudo, países, regiões e cidades terão impactos diferentes, dependendo de suas condições físicas e características socioeconômicas.
Durante muito tempo, duas possíveis respostas foram apontadas pelos cientistas. A primeira delas é a mitigação, que significa a diminuição das causas do aquecimento global (emissões de GEE). A segunda é a adaptação, que significa um ajustamento da vida a um clima em mudança com recursos mais escassos. Mas, atualmente entende-se que essas duas respostas estão interrelacionadas e devem ser vistas em conjunto.
Mitigação
A mitigação foi a primeira resposta a ser discutida e adotada internacionalmente. Como as concentrações e as emissões dos GEE podem ser aferidas numericamente, a elaboração de medidas para controlar as emissões é relativamente simples. Sendo assim, a mitigação é normalmente estabelecida através de mecanismos reguladores e de mercado definidos pelos governos centrais.
A adoção de limites legais sobre emissões, regulamentação e controle de produtos e mercados (como o mercado de carbono) pode ser determinada de diferentes formas. Uma delas é a partir de estímulos econômicos, como por exemplo um incentivo ou subsídio para que um determinado setor diminua suas emissões. Outra forma é por intervenções do governo através da criação de leis e regulamentações. Ou seja, os envolvidos se obrigam a diminuir suas emissões e, como resultado, a nação pode cumprir seus acordos internacionais.
Essas iniciativas em âmbito nacional estabelecem posteriormente caminhos para ações governamentais setoriais, regionais ou locais para a adoção de medidas específicas. Por isso, a governança da mitigação é clara: a responsabilidade em estabelecer as regras de mitigação é das autoridades públicas.
As boas práticas de mitigação
A Tabela 1 mostra exemplos de medidas de mitigação adotadas pelo mundo.
Tabela 1: Boas práticas de mitigação.
SETORES | MEDIDAS DE MITIGAÇÃO |
Energia |
–Substituição de lâmpadas, aparelhos e equipamentos antigos por mais eficientes
–Utilizar sistemas individuais de energia de base renovável, tais como a energia solar, para aquecimento e iluminação de edifícios
–Desenvolver formas de aproveitamento de energias alternativas que emitam menos GEE, tais como a biomassa (bagaço de cana), ou a eólica (do vento)
–Incluir a eficiência energética no planejamento da construção
–Sensibilizar as pessoas para os benefícios da eficiência energética e do uso racional de energia
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Transportes |
–Reduzir a utilização de automóveis
–Diversificar o uso do solo nos bairros para que as pessoas possam atender suas necessidades diárias a pé
–Restringir o uso do carro em áreas centrais da cidade e promover o transporte público
–Usar transportes movidos a biocombustíveis e ou eletricidade
–Melhorar a integração de diferentes modais de transporte
–Aumentar a qualidade e quantidade de ciclovias e criar áreas de estacionamento de bicicletas
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Florestas |
–Diminuir o desmatamento
–Aumentar as áreas de florestas
–Manter as florestas limpas
–Evitar o uso de plantas exóticas que podem ampliar os incêndios florestais
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Agricultura e pecuária |
–Diminuir o uso de fertilizantes industriais
–Aumentar a área de produção de orgânicos
–Promover a diversificação de culturas
– Promover a redução do consumo de carne
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Adaptação
As medidas de adaptação exigem recursos financeiros e ações onde os impactos ocorrem, envolvendo uma variedade de partes interessadas. Consequentemente, as resposnabilidades de adaptação estão concentradas em governos regionais e locais, além de empresas, instituições públicas e privadas e comunidades vulneráveis.
As responsabilidades de adaptação
Ao contrário da mitigação, como a adaptação precisa ocorrer em nível local, os governos nacionais não são necessariamente responsabilizados em atuar nesse campo. Contudo, muitos países elaboram diretrizes nacionais de adaptação que orientam a elaboração de planos regionais, setoriais e locais. No Brasil, temos um Plano Nacional de Adaptação desde 2016, que transfere uma parte das responsabilidades de adaptação para os principais setores produtivos do país.
Por outro lado, até o momento as autoridades públicas locais e regionais não assumiram completamente as suas responsabilidades de adaptação. Muitos líderes locais vêem a adaptação como um custo que pode ser adiado. E isso pode piorar a situação. Em geral, a percepção da necessidade de adaptar coincide com a ocorrência de eventos extremos. Por exemplo, grandes inundações, secas prolongadas ou extensos incêndios florestais aumentam as pressões por parte da mídia e dos envolvidos para uma ação mais efetiva. Depois disso, quando o evento extremo passa, a necessidade de intervenção imediata não é mais percebida.
A dimensão da adaptação
A adaptação tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade aos efeitos nocivos das mudanças climáticas. Como exemplos desses efeitos pode-se citar a invasão da água do mar em áreas costeiras, a ocorrência de eventos climáticos extremos mais intensos ou mesmo a insegurança alimentar provocada pela escassez de água e pelas perdas na lavoura.
Mas, as medidas reativas têm sido insuficientes para lidar com as pressões associadas às mudanças climáticas. Além disso, a abordagem incremental da adaptação, ou seja, aquela que se foca num impacto específico, não é mais suficiente. É preciso abordar a adaptação de forma sistêmica, englobando as raízes dos impactos a serem enfrentados.
As novas abordagens da adaptação
Sendo assim, outros determinantes não climáticos de vulnerabilidade, tais como demografia, economia, condições sócio-políticas e desenvolvimento tecnológico devem fazer parte dessa equação. Por isso, crescem as discussões sobre a natureza das respostas da sociedade a serem consideradas. Acima de tudo há um consenso de que a situação atual clama por uma abordagem transformativa, sem precedentes. Ou seja, precisamos adotar uma abordagem que tenha visão sistêmica de adaptação “com” mudanças climáticas.
Nesse caso, a mitigação deixa de ser uma resposta isolada e passa a fazer parte do processo de adaptação. Em outras palavras, temos que assumir um novo modelo de desenvolvimento pautado pela baixa emissão de gases de efeito estufa.
Como resultado, quando os governos assumem suas responsabilidades de adaptação tanto regionais como locais, eles precisam envolver os diversos setores, com foco em diferentes objetivos. Por exemplo, a redução da vulnerabilidade, o gerenciamento de riscos de desastres ou o planejamento de adaptação proativa.
São três os tipos de medidas de adaptação: Físico-estrutural, institucional ou social.
Medidas físico-estruturais de adaptação:
As medidas físico-estruturais são aquelas baseadas em:
- Opções de engenharia e do ambiente construído: relaciona-se a obras estruturais, tais como diques, muros de proteção, obras de drenagem, entre outras;
- Opções tecnológicas: são medidas relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, tais como o desenvolvimento de novas variedades de cereais para a agricultura, tecnologias para purificação da água, métodos de irrigação, entre outros.
- Opções baseadas em ecossistemas: restauração de ecossistemas, conservação do solo, ou soluções de drenagem baseadas em plantas, entre outras;
- Opções baseadas em serviços, tais como programas de vacinação, ou ampliação de serviços médicos especializados, entre outros.
Essas medidas exigem maior investimento e suas ações dependem de um planejamento prévio.
Medidas institucionais de adaptação:
Essas medidas estão relacionadas à descisões políticas e institucionais.
- Opções econômicas, tais como o uso de incentivos fiscais, pagamentos de serviços de ecossistemas, ou parcerias público-privadas, entre outras;
- Opções baseadas em leis e regulamentações, tais como códigos de uso do solo, código de obras, ou delimitação legal de áreas protegidas, entre outros;
- Opções de programas e politicas nacionais e regionais, tais como planos de adaptação, planos de gestão de bacias hidrográficas ou planos de contingência a desastres naturais, entre outros.
Medidas sociais de adaptação:
As medidas sociais tem como objetivo transformar a cultura das comunidades para viver em um clima diferente.
- Opções educacionais que envolvem ações para o aumento da consciência das pessoas sobre o problema, tais como serviços de extensão, plataformas de aprendizado ou pesquisas de ação participativa, entre outros;
- Opções informativas tais como mapas de vulnerabilidade e perigo, sistemas de monitoramento e alerta, ou divulgação de relatórios integrados de avaliação, entre outros;
- Opções comportamentais tais como ações de preparação da população para enfrentar riscos, planos de evacuação, confiança nas redes sociais com previsões antecipadas, entre outros.
As boas práticas de adaptação
A tabela a seguir mostra alguns exemplos de adaptação que estão sendo implementados.
Tabela 2: Boas práticas de adaptação
Impactos esperados | Medidas de adaptação |
Aumento da temperatura, Ondas de calor
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–Redução da densidade de construção
–Aumento de áreas de sombra com o uso de vegetação
–Aumentar as superfícies
–Melhorar os sistemas de ventilação dos edifícios
–Utilizar a água no paisagismo
–Criar sistemas de alertas para ondas de calor
–Integrar as necessidades das populações mais vulneráveis nos planos de emergência
–Equipar serviços de urgência
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Diminuição da qualidade do ar |
–Restrições no transito
–Melhorar o transporte público
–Promover a partilha de carros
–Monitorar níveis de poluição e suas fontes
–Criar serviços de alerta
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Redução da disponibilidade de água |
– Ampliar a capacidade de reservatórios–Coletar a água da chuva –Reutilizar as águas residuais tratadas
–Melhorar o sistema de distribuição e controlar o desperdício
–Desenvolver campanhas para o uso eficiente da água
–Promover equipamentos com uso eficiente da água
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Cheias e inundações |
–Melhorar os sistemas de identificação de áreas de risco
–Criar áreas de proteção livre de construções às margens dos rios
–Usar materiais e tipos de construção resistentes à inundações
–Reestabelecer áreas naturais de retenção de água da chuva
–Ajustar os sistemas de drenagem à nova realidade de chuvas
–Implementar sistemas alternativos de armazenamento de água da chuva
– Adequar o ocupação do solo e as infraestruturas a fenômenos hidrológicos extremas
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A abrangência da adaptação
Atualmente a mudança climática está sendo considerada em uma variedade de planos de desenvolvimento. Nós abordamos esse tema em um artigo anterior que fala do planejamento urbano como uma ferramenta de adaptação.
O mais importante é entender que adaptar significa reconhecer que o clima está diferente e gerir da melhor forma as suas consequências. Em outras palavras, isso envolve a gestão de desastres, o uso e ocupação do solo, a gestão de florestas. de recursos hídricos, a mobilidade urbana, entre outros.
Por outro lado, além dos impactos, a adaptação engloba o aproveitamento de potenciais oportunidades associadas às mudanças climáticas. Por exemplo, podemos citar o desenvolvimento de tecnologias mais limpas, sistemas que purificam a água, tecnologias de energia renovável, ou até a implementação de novas culturas agrícolas em áreas cujo clima antes não permitia.
As oportunidades geradas pela necessidade de adaptação
Certamente, para aproveitar as oportunidades que têm surgido, o investimento em pesquisa e inovação, e a participação do setor privado são essenciais. Portanto, as responsabilidades de adaptação devem ser partilhadas e assim todo mundo ganha. Mas, acima de tudo, o conhecimento e a informação são a base para o planejamento da melhor forma de aproveitar as oportunidades identificadas.
Em suma, o surgimento de novas tecnologias e de novos modelos de negócios concentrados em baixas emissões de carbono, constituem um novo caminho para a adaptação às mudanças climáticas.
Esse é um desafio imenso, que só terá êxito com uma transformação profunda nas formas como o mundo produz, consome e vive. Esse desafio so será vencido se eu, você, e as demais pessoas, além das mais variadas instituições publicas e privadas, nos engajarmos nessa luta, assumindo nossas responsabilidades de adaptação e atuando de forma proativa.
O próximo artigo
No próximo artigo vou abordar como o setor privado tem assimido suas responsabilidades de adaptação e aproveitado as oportunidades de negócios. Além disso, você vai saber o que pode fazer individualmente para reduzir suas emissões e contribuir para superarmos essa crise com mais qualidade de vida e segurança.
Até lá!